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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Queixas do Mestre Saldanha

 
Sábado, agora, em Cajazeiras, me encontrei com o mestre Ancelmo Saldanha. Ele vinha das bandas da Serra do João do Vale, terras de seus antepassados que se espalham derna de Belém do Brejo do Cruz, na Paraíba, a Janduís, do lado de cá, passando por Paraú e Campo Grande. Eu ia no rumo de Queimadas. Fazia uns cinco anos do nosso último encontro, acho que no meio da feira de São Paulo do Potengi. Cajazeiras é um lugarejo, cortado pela BR-226, coisa de uns seis quilômetros da Reta Tabajara, de quem vai na direção de Santa Cruz, Currais Novos, Seridó. Pertence ao município de Macaíba, bem próximo às divisas com São Pedro e Bom Jesus.
 
Há muitas eras que Cajazeiras tem sido parada obrigatória para quem viaja por esses caminhos e veredas entre o Seridó e a Capital. Derna dos tempos de quando se andava a cavalo. Eram cinco, seis dias montados em cavalo ou em burro ou burra mula, do Seridó até Macaíba, saindo de Serra Negra, como se lê os livros do doutor Juvenal  Lamartine de Faria, de Oswaldo, o filho,  e de Pery, o neto. Cajazeiras já aparece como uma das paragens. Era uma fazenda. Mais tarde o lugar ficou famoso por conta do Café das Marias, aí já no tempo das sopas, dos ônibus, dos automóveis. Café e restaurante. O lugar se chamava Lagoa das Marias. As Marias já não existem mais, a Lagoa, sim, agora pousada  de dezenas de garças. Cajazeiras cresceu naquele entorno, mais  pra cá da banda de Macaíba. Em frente às antigas “Marias” começa a estrada para São Pedro, São Paulo do Potengi e, num desses desvios, o caminho para as Queimadas, Lagoa de Velhos. Serra de Joana Gomes.
 
Hoje o lugar cresceu bastante (qualquer dia desses será município autônomo, dependendo do interesse do deputado, um vereador aqui tantos acolá) à margem da BR, muitos quiosques e barracas onde se vendem comidas e bebidas, tem uma galinha caipira muito recomendada, e uma barraca que serve farofas de deixar o poeta Alex Nascimento lambendo os beiços. Mais na frente uma barraca com artesanato e outra que vende  grudes tão bons quanto os de Extremoz. Foi lá que encontrei o mestre Ancelmo. Me abanquei ao seu lada para saborear, não somente os grudes com café  bem quente, mas também a prosa do velho sertanejo, tataraneto de criador de boi e de tirador de leite.
 
Vinha para uma consulta médica (tira do bolso um cartão com nome do famoso proctologista, doutor Otávio Benildo Rocha Venturoso, um sergipano que fora indicado por um criador de cabras e ovelhas, seu compadre Francisco Dantas). Vinha sofrendo, a algum tempo, de prisão de ventre, já havia tomado não sei quantos chás e outras meizinhas sem apresentar nenhuma melhora. Por isso recusou o grude, a tapioca,  o bolo de milho e até o café. Pediu apenas uma garrafa de água mineral.
 
E foi por conta dessa água que o mestre Saldanha começou a desenvolver sua tese de que trabalhar com agricultura e com boi no Nordeste é botar dinheiro fora, mais agravado, agora, com a seca braba e o descaso do Governo. Puxou do bolso uma folha de papel com várias anotações, datas, números e cifras e foi falando:
 
- Olhe, seu Madruga, esta garrafinha (350 ml) de água mineral custa R$ 2,80. Pois bem, pra poder pagá-la tenho que vender 3 litros de leite e arranjar por fora mais 10 centavos. Me pagam por um litro de leite 0,90 centavos. Olhe mais: um ovo de galinha caipira, apanhado na capoeira custa 0,50  centavos. Um litro de leite não compra dois ovos.
 
Toma um  gole de água e continua:
 
- No começo do Plano Real (1994) um saco de farelo de soja custava R$ 11,20 que correspondia ao valor de 32 litros de leite, então valendo 0,35 centavos. Hoje, o mesmo farelo vale R$ 78,00 o idêntico valor de   86 litros de leite (0,90); Um saco de ureia (pra fazer ração), no Plano Real, era vendido por R$ 13,30, que correspondia a 17 litros de leite (0,35); no dia de hoje o mesmo saco de ureia é vendido por R$ 112,00, que é o valor de 124 litros de leite.
 
Outro gole d’água:
 
- O salário mínimo, no Plano Real, era de R$ 70,00. Pagava-se com 200 litros de leite. Hoje, o salário é de R$ 622,00. São precisos 691 litros de leite, a 0,90. Tem mais: um bezerro da hora que nasce até 45 dias de vida vale R$ 60,00, o equivalente a duas galinhas caipira no Agreste (pode perguntar na Feira do Alecrim) e três no Sertão.
 
O velho Saldanha não para de fazer contas e,  num tom de derrotado, acrescenta:
 
- Um salário  mínimo corresponde ao preço de 10 bezerros. Em 12 meses você paga a um empregado o equivalente a 124 bezerros. Se a fazenda tiver 5 empregados a conta sobe para 622 bezerros. Pergunto a você: vale a pena criar boi?
 
Olha para o movimento da estrada, são muitos carros passando, matuta e desabafa:
 
- Quando o governo fala em financiamento para o produtor rural, não leva em conta de que 65% estão inadimplentes com os bancos e, em muitos casos, o banco anda querendo tomar a terra das pessoas que na vida inteira só aprenderam a ser criador de boi, de vaca, de bode. Nas secas de 58, 73, 83 e 93, o sertanejo conviveu com  21 meses consecutivo sem chuva, em cada uma destas secas, entretanto, teve ajuda, sim, dos bancos oficiais e a inadimplência foi mínimo. Hoje, o governo não sabe fazer estas contas. Os bancos oficiais também não. Pior: tratam o verdadeiro homem do campo, como eu, como foi o meu pai, como foi o meu bisavô como não passasse de um especulador de dinheiro.
 
O velho Saldanha se levanta, tira do bolso uma nota de 10 reais, paga as três garrafinhas de água mineral, olha para a moça do balcão – uma cabrocha bem fornida – e diz, educadamente: guarde o troco, menina. Despede-se de todos, volta para a camionete. Antes de bater a porta, falou:
 
- Vou agora me penitenciar com o dr. Rochinha. Tomara que o homem não tenha o dedo muito grosso.
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