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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Centenário de Gonzagão, o porta-voz do Nordeste

Por João Batista Machado*
Jornalista jbmjor@yahoo.com.br

Foto: pesquisa Google/Divulgação
O sanfoneiro Luiz Gonzaga foi o mais legítimo representante do Nordeste no cenário político do país, denunciando mazelas da seca com muito mais firmeza do que muitos discursos vazios pronunciados no plenário do Congresso Nacional por supostos representantes do povo. Transformou a sanfona em tribuna e os shows em praça pública no fórum de debates, acusando governantes desprovidos de sensibilidade política com a força de suas canções dolentes.

Gonzaga não precisou de mandato popular para se tornar defensor intransigente dos anseios maiores da região junto ao governo federal, clamando por açudes, barragens, poços e cisternas para saciar a sede e a fome do seu povo em tempos de escassez decorrente das estiagens. Sabia pedir e agradecer quando o benefício solicitado era implantado. Saudou a chegada da energia de Paulo Afonso ao Nordeste, salientando os méritos dos seus benfeitores e enaltecendo o feito da engenharia nacional.

Cantou “A volta da Asa Branca”, de Zé Dantas, anunciando a chegada das chuvas preconizadas por relâmpagos e trovões rasgando os céus e trazendo notícias de inverno e fartura no sertão.  Rezou como fizeram padre Cícero Romão e frei Damião, pedindo clemência diante do calvário sofrido pelo homem do campo. Protestou contra o descaso das autoridades omissas diante do sofrimento secular do sertanejo de mãos calejadas, aceitando as mazelas da natureza como se fosse castigo de Deus ao punir modestos pecadores.

Condenou a doação de esmolas em épocas de sede e fome humilhando o sertanejo acostumado a ganhar o pão de cada dia com o suor do rosto, sem precisar estender a mão pedindo migalhas para sustentar a família. Condenava esse procedimento humilhante imposto ao sertanejo flagelado que precisava de trabalho para sobreviver e não de esmolas oportunistas.  Já dizia José Américo de Almeida que pior do que morrer de sede no deserto é não ter o que comer na terra de Canaã.

Foi assediado por governadores, senadores e deputados, mas nunca se filiou a nenhum partido político, preferindo ser homem livre de amarras e compromissos partidários que poderiam comprometer sua liberdade de agir com independência. Seu vozeirão era reconhecido por todos os moradores do sertão. Gonzaga cantava tristezas e alegrias com a mesma sonoridade na voz. Enxergava o desafio da região através dos olhos embaçados do cego Aderaldo e os versos contundentes de Patativa do Assaré.

Criticava, às vezes, a modernidade exagerada na mudança de hábitos e costumes tradicionais do Nordeste, que cultivava com devoção convicta de forma juramentada. Entoava, também, canção de amor como Letra I, de Zé Dantas, endereçada à namorada e futura esposa Iolanda, sua musa inspiradora, avó materna da cantora Marina Elali. Aliás, a melhor intérprete da obra musical do avô, que dividia sua disponibilidade entre a medicina e a música popular nordestina, seu passatempo preferido.

Sêo Luiz, como também era conhecido, levou o forró para os salões refinados da burguesia que torcia o nariz a esses ritmos tipicamente nordestinos. O forró se deu tão bem que atualmente é sucesso nas boates sofisticadas do país. O centenário de Luiz Gonzaga (13/12/1912-13/12/2012) nascido em Exu, Pernambuco, não pode ser esquecido em respeito de sua memória e dos inseparáveis parceiros. Ele é a própria cara desse sertão velho sofredor de fogo a lenha e casa de reboco que ainda teima em existir, desafiando o futuro.

*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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