Por João Batista Machado*
Jornalista
▶ jbmjor@yahoo.com.br
O sanfoneiro Luiz Gonzaga foi o mais legítimo
representante do Nordeste no cenário político do país, denunciando mazelas da
seca com muito mais firmeza do que muitos discursos vazios pronunciados no
plenário do Congresso Nacional por supostos representantes do povo. Transformou
a sanfona em tribuna e os shows em praça pública no fórum de debates, acusando
governantes desprovidos de sensibilidade política com a força de suas canções
dolentes.
Gonzaga não precisou de mandato popular para se
tornar defensor intransigente dos anseios maiores da região junto ao governo
federal, clamando por açudes, barragens, poços e cisternas para saciar a sede e
a fome do seu povo em tempos de escassez decorrente das estiagens. Sabia pedir
e agradecer quando o benefício solicitado era implantado. Saudou a chegada da
energia de Paulo Afonso ao Nordeste, salientando os méritos dos seus
benfeitores e enaltecendo o feito da engenharia nacional.
Cantou “A volta da Asa Branca”, de Zé Dantas,
anunciando a chegada das chuvas preconizadas por relâmpagos e trovões rasgando
os céus e trazendo notícias de inverno e fartura no sertão. Rezou como fizeram padre Cícero Romão e frei
Damião, pedindo clemência diante do calvário sofrido pelo homem do campo.
Protestou contra o descaso das autoridades omissas diante do sofrimento secular
do sertanejo de mãos calejadas, aceitando as mazelas da natureza como se fosse
castigo de Deus ao punir modestos pecadores.
Condenou a doação de esmolas em épocas de sede e
fome humilhando o sertanejo acostumado a ganhar o pão de cada dia com o suor do
rosto, sem precisar estender a mão pedindo migalhas para sustentar a família.
Condenava esse procedimento humilhante imposto ao sertanejo flagelado que
precisava de trabalho para sobreviver e não de esmolas oportunistas. Já dizia José Américo de Almeida que pior do
que morrer de sede no deserto é não ter o que comer na terra de Canaã.
Foi assediado por governadores, senadores e
deputados, mas nunca se filiou a nenhum partido político, preferindo ser homem
livre de amarras e compromissos partidários que poderiam comprometer sua
liberdade de agir com independência. Seu vozeirão era reconhecido por todos os
moradores do sertão. Gonzaga cantava tristezas e alegrias com a mesma
sonoridade na voz. Enxergava o desafio da região através dos olhos embaçados do
cego Aderaldo e os versos contundentes de Patativa do Assaré.
Criticava, às vezes, a modernidade exagerada na
mudança de hábitos e costumes tradicionais do Nordeste, que cultivava com
devoção convicta de forma juramentada. Entoava, também, canção de amor como
Letra I, de Zé Dantas, endereçada à namorada e futura esposa Iolanda, sua musa
inspiradora, avó materna da cantora Marina Elali. Aliás, a melhor intérprete da
obra musical do avô, que dividia sua disponibilidade entre a medicina e a
música popular nordestina, seu passatempo preferido.
Sêo Luiz, como também era conhecido, levou o forró
para os salões refinados da burguesia que torcia o nariz a esses ritmos
tipicamente nordestinos. O forró se deu tão bem que atualmente é sucesso nas
boates sofisticadas do país. O centenário de Luiz Gonzaga
(13/12/1912-13/12/2012) nascido em Exu, Pernambuco, não pode ser esquecido em
respeito de sua memória e dos inseparáveis parceiros. Ele é a própria cara
desse sertão velho sofredor de fogo a lenha e casa de reboco que ainda teima em
existir, desafiando o futuro.
*Texto publicado na
coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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