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terça-feira, 29 de maio de 2012

O artista e o povo

Por Jomar Morais*
Jornalista jomar.morais@supercabo.com.br

A internet me traz o convite do promotor cultural Antonino Condorelli para participar de um tuitaço (protesto através do Twitter) pela democratização da cultura. A frustração de admiradores de Chico Buarque, impossibilitados de assistirem ao show do consagrado compositor em razão do preço proibitivo e mesmo da falta de espaço para abrigar tanta gente no teatro mais sofisticado da cidade, inspirou a idéia. O objetivo é pressionar o poder público a priorizar a cultura, o que levaria, entre outras ações, à criação de espaços onde o povo pudesse ter acesso a produções mais refinadas e consequentes que o batidão com letras pornográficas ou a tradicional comédia pastelão.

Se funcionar, a proposta do tuitaço terá contribuido, no mínimo, para o despertar das consciências acomodadas a uma situação de apatia da qual se beneficiam os interesses políticos tradicionais e a chamada indústria cultural, aquela que, quase sempre, mói o artista e o transforma num produto pasteurizado e inofensivo – uma grife a ser consumida por quem pode pagar e usar na excitação dos sentidos, sem que a arte em si lhe toque a mente e o coração.

Pensar, ter idéias e expressá-las, inclusive na moldura de beleza da arte, sempre foram ameaças ao estabelecido, espécie de facas amoladas que precisam ficar longe da massa rude, a quem o preconceito atribui a incapacidade de processar o conhecimento, decantando hábitos e objetivos. E isso explica, em parte, a estratificação da produção cultural em que os pobres seguem isolados no circuito de pão e circo, no pior sentido dessa expressão.

O tuitaço traz ainda à superfície outro aspecto da situação que diz respeito ao próprio artista e ao seu senso de missão e comprometimento. É certo que o credo do mercado e a ganância nos fazem esquecer de que também nossa atividade profissional precisa estar atrelada ao nosso propósito de vida, o que nos levaria a intervir no mundo como missionários, acima do interesse financeiro. Mas a sociedade sempre paga caro quando essa amnésia acontece em áreas vitais, como a medicina e a arte.

Diante disso, sem esquecer a ação avara dos atravessadores na fixação de preços dos produtos culturais, vale a pena evocar o que um dia cada artista hoje aboletado em cachês milionários cantou nos versos de Fernando Brandt e Milton Nascimento: “Foi nos bailes da vida ou num bar em troca de pão / Que muita gente pôs os pés na profissão / De tocar um instrumento e de cantar / Não importando se quem pagou quis ouvir (…) / Era assim. / Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão / Todo artista tem de ir aonde o povo está. / Se foi assim, assim será. / Cantando me disfarço e não me canso de viver/ Nem de cantar.”

*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL

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