O Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza (rua
Floriano Peixoto, 941 – Centro – fone: (85) 3464.3108) abrirá a exposição
individual “Ficções”, do artista visual paulista Nino Cais, com curadoria de
Carolina Soares, na próxima terça-feira, 17, às 18 horas. Com entrada franca, a
exposição ficará em cartaz até o próximo dia 20 de maio (horários de visitação:
terça-feira a sábado, de 10h às 20h; aos domingos, de 12h às 18h).
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Foto:divulgação
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Em 1920, Tristan Tzara oferece ao leitor instruções
de como produzir uma poesia. Simples
assim:
Apanhe um jornal./ Apanhe algumas tesouras./ Escolha
um artigo do tamanho que você pretende dar ao seu poema./ Recorte o artigo./
Depois recorte cuidadosamente cada palavra do artigo e coloque-as em um saco./
Agite levemente./ Depois retire um recorte após o outro./ Copie-os
conscienciosamente na ordem em que saíram do saco./ O poema se parecerá com
você./ E você será um escritor de infinita originalidade e encantadora
sensibilidade, ainda que incompreensível às massas.
Embora aqui se busque resguardar as devidas
diferenças construídas cronologicamente pela História da Arte, não deixa de ser
tentador cair em certos devaneios anacrônicos, pois o trabalho de Nino Cais parece
se valer de semelhante receita. A aleatoriedade pressuposta na escolha dos
objetos que tensiona junto ao seu corpo provoca o observador a entender a obra
como uma espécie de “faça você mesmo”.
Essa instrução, no entanto, não significa o abandono em relação a uma
crença nas potencialidades artísticas, mas sim o confronto com certos
mecanismos retóricos voltados para meras atribuições de valores estéticos.
Nesse desmonte, os objetos não são, porém,
destituídos de uma banalidade ordinária, ou seja, os utensílios de cozinha
apropriados, por exemplo, continuam sendo utensílios de cozinha, apenas
adquirem funcionalidades simbólicas. E mais, ao aliá-los ao seu próprio corpo,
Nino Cais dá margens a narrativas fantásticas. São situações inusitadas em que
persiste uma ideia de acaso como oposição à realidade. Do encontro entre o artista e as coisas de
seu entorno resultam fissuras irremediáveis. Afinal, de que maneira estabelecer
relações de continuidade frente a um corpo humano cujo rosto se mantém
recoberto por objetos não apenas diversos como desconcertantes?
São ficções que, mesmo com certo humor, não
apaziguam, pelo contrário, provocam inquietações. Ao utilizar seu corpo como
material escultórico – elegendo a fotografia como meio não apenas documental, mas
também como parte constituinte do trabalho –, Nino Cais recoloca questões em
torno da possibilidade de moldar uma fotografia escultórica (ou uma escultura
fotográfica?). Com isso, os arranjos, aos quais os objetos estão sujeitos,
resultam em trabalhos que transcendem as mais tradicionais categorias,
impedindo distinções estritas entre os dois campos, ou seja, as fotografias não
são mais registros de esculturas, mas esculturas em si.
Para baratinar ainda mais a conversa, na exposição
Ficções, amplia-se o debate ao serem apresentados dois conjuntos de trabalhos:
um bidimensional e outro tridimensional. A diferença em suas dimensões, no
entanto, não evita com que ambos sejam concebidos a partir de questões
semelhantes em torno de uma ideia de escultura contemporânea e de seu caráter
objetual. São espacialidades e volumes que favorecem diferentes experiências
produzindo tensões não apenas por suas estruturas internas como também por suas
relações com o observador que, diante de cada uma, precisa se comportar de
maneira diametralmente oposta.
A presença marcante de coisas familiares como
utensílios domésticos e enfeites de festas juninas restitui uma temporalidade
aos trabalhos que parece falar sempre no presente, acontecer no momento em que
os observamos. Com isso, torna-se impossível não olharmos para um balde ou uma
bacia, mesmo que pressionados ao teto, e não rememorarmos seus lugares no
mundo. Não há ambiguidade. O balde ou a bacia continuam sendo um balde ou uma
bacia.
É o que intriga e desconcerta. Simples assim.
Luciano Sá (assessor de imprensa do Centro Cultural
Banco do Nordeste) – (85) 3464.3196.
lucianoms@bnb.gov.br
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