Albimar Furtado*
Jornalista
▶ albimar@superig.com.br
Olho pro nada e me vejo num rosto de vinte e poucos,
trinta anos. Giro o corpo para o espelho e está ali a imagem nítida do quase
setentão. Estes dois momentos estavam sintetizados nas fotos do jornal. Manhã
ainda começando o domingo, recebo o
primeiro telefonema do amigo.
– Vistes? –Vi (já desconfiava da razão da pergunta).
–Tempo bom hein? –É tempo bom.
A manhã ainda não tinha terminado e o outro amigo
vai direto à pergunta que saltava, clara, das fotos do jornal: -Pra onde foi
aquela ruma de cabelo? -O tempo levou,
resumi. E conversamos alguns minutos sobre o tempo. Boa conversa. Outros
ligaram e o tema era o mesmo.
À noite, descansado e me espreguiçando na cadeira,
olhei a página do jornal, foquei nas duas fotos. O tempo e a gravidade puxaram
orelhas e nariz para baixo. As células todas do rosto, vividas, desceram. A
cara ficou mais para os maracujás do tempo em que não recebiam agrotóxicos do
que para manga rosa. Os cabelos enchiam a cabeça, longos e mais escuros.
Agora brancos, podem ser penteados fio-a-fio de tão
escassos. As duas fotos foram assunto para outras conversas, inclusive durante
a semana.
Bons papos, boas risadas e lembranças, bons momentos
vividos agora. Não precisei mais olhar para o nada e ver meu rosto de vinte e
poucos, trinta anos e depois girar para o espelho e enxergar, na imagem
projetada, o quase setentão. Nesse domingo me dei conta também de um troféu que
conseguira naqueles tempos, mas tava guardada e esquecida num canto da memória.
Acho que, como na música do compositor, tinha gravado na memória, mas havia
perdido a senha. Tava tudo lá, nas fotos da página do jornal, me devolvendo o
troféu esquecido.
*Publicado na coluna do
jornalista no Novo Jornal
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