Por Carlos Fialho*
Escritor
e publicitário ▶ cruvinelcamisa9@gmail.com
Sempre tive especial predileção pela leitura. Se não
fosse por ela, não estaria aqui, com fotinha no topo da página, nomezinho
impresso e a oportunidade de grafar umas besteiras pra vocês num jornal de
respeito e boa circulação. Nos tempos antigos da minha adolescência, só havia 3
carreiras possíveis: medicina, direito e engenharia. Havia poucas concessões
para odontologia e arquitetura. Na provinciana Natal daquela época (ainda mais
do que hoje) quem não se enquadrasse nessa cartilha, era precocemente taxado de
“sem-futuro” ou fracassado. Eram tempos de poucas alternativas e parcas
perspectivas.
Era de se esperar, portanto, que um rapaz tão
dedicado a leituras como eu, seguisse o caminho do Direito. Quando manifestei
publicamente o interesse em cursar comunicação, o choque foi grande. Alguns
parentes chegavam para minha mãe, afirmando que eu passaria fome. Na escola,
professores não entendiam como “um menino tão bom” desperdiçaria a chance de
optar por alguma profissão digna.
Segui em frente, cursei comunicação na UFRN
(Jornalismo) e UnP (Publicidade), depois fiz especialização, comecei a
trabalhar, tive o trabalho reconhecido, ganhei algum dinheiro e, hoje, tenho
uma vida estável. Como tudo ocorreu de forma natural até agora e as conquistas
se deram de forma gradual e crescente, nunca compreendi bem porque as pessoas
diziam que a única escolha possível para um estudante com o meu perfil seria
cursar Direito, frequentar tribunais, conviver com todos aqueles artigos, leis,
liminares, linguagem jurídica. Aí, esse caso dos precatórios do TJ me abriu os olhos.
Quando as pessoas falavam em uma carreira bem
sucedida no Direito, era isso que eles queriam dizer! Percebi que as
possibilidades da profissão não se limitavam a advogados, promotores, juízes e
escrivães. Havia também os grandes empreendedores como a Carla Ubarana, a
personagem da semana na cidade. Os escritos jurídicos também não se limitavam
às peças que exercitam a arte de falar, falar e não dizer praticamente nada.
Tem também os livros contábeis que distribuem riquezas entre desembargadores e
operadores de esquemas como o dos precatórios. E eu aqui, descascando batatas
no porão de uma empresa de comunicação.
Soube que a Carla Ubarana era uma bela e voluptuosa
jovem. Estudou no mesmo colégio que eu, mas em outra época. Era craque no vôlei
e muitos rapazes eram apaixonados por ela. Pus-me a pensar em como a vida foi
cruel com a moça. Acredito que o desfalque que ela deu no dinheiro dos
precatórios possa ter sido uma tentativa de vingar-se dos muitos revezes que o
destino aprontou para si. Foi uma reação desesperada e tardia às brincadeiras
de mau gosto do tempo, esse carrasco que é capaz de transformar a garota mais
bonita da escola numa notória baranga cantada e decantada em prosa e verso nas
capas dos jornais.
Só posso crer que seja essa a razão para que ela
aprontasse o que aprontou. Seria justo por parte da Providência Divina que lhe
pudesse agraciar com um pouco de generosidade ante tudo que lhe foi tirado. E
agora que ela foi pega com a mão na cumbuca, talvez tenha percebido que tudo o
que vem fácil, vai fácil. Perdeu toda a fortuna que nos roubou, assim como
perdeu a formosura de outrora e hoje é apenas uma ex-gostosa falida e mal
falada. A vida dá voltas e nem sempre é de Mercedes.
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