--- Walter Medeiros*
Sempre que falava sobre sua vida de lutas, Glênio Sá
não podia evitar que transparecesse forte emoção, pois era como que reviver
cada momento dramático da sua vida. Numa das nossas conversas dos anos 80, ele
relatou que em 1970 partiu para São Paulo e depois se engajou no então clandestino
Partido Comunista do Brasil – PC do B, indo atuar no sul do Estado do Pará.
Participou da Guerrilha do Araguaia, onde foi recebido por João Amazonas e
dedicou-se ao trabalho no campo. Num momento de infortúnio, ele buscava
tratamento para malária, mas foi delatado e findou preso pelo Exército, que
ocupava vastas áreas da região. Passou, então, um novo período de prisão, no
qual esteve em vários quartéis.
“Fui torturado e submetido a diversos outros atos
desumanos, entre eles a permanência em cela solitária, na qual sequer podia
ficar em pé”, revelava. Os companheiros ouviam aquela surpreendente narrativa
sem pestanejar e cheios de curiosidade pelas informações. Até porque nenhuma
notícia sobre a Guerrilha do Araguaia havia chegado a público pela imprensa
brasileira; tinham conhecimento apenas de um registro numa nota do jornal “O
Estado de S. Paulo” sobre um movimento no Sul do Pará. Qualquer informação a
respeito do assunto era censurada. Glênio situava no tempo cada momento, e
contou como sua família tomou conhecimento do seu estado, já que pensava que
ele estava estudando em São Paulo, mesmo com a ausência de notícias. Jamais
imaginava o que havia ocorrido e estava ocorrendo.
Em 16 de junho de 1973 uma jovem chamada Dalvina,
residente no interior de Goiás, escreveu uma carta dirigida à Farmácia Minan,
para a sua Família, no município potiguar de Caraúbas. A carta era datada de
16/06/73. Dizia mais ou menos assim: “O motivo desta é comunicar-lhe que seu
filho se encontra preso no setor dos militares no Pique (PIC) em Brasília.
Querendo maiores informações, procure-me. Estou comunicando ao senhor pelo fato
de meu pai estar preso junto a ele. Então ele pediu-nos que escrevesse avisando
a vocês. Se vocês receberem esta carta responda-me. Seu filho Glênio pede que
vocês compareçam em breve”. Ela pedia que acusassem o recebimento, porque
naquela época ninguém tinha certeza de que a correspondência chegava.
Glênio contava que algumas providências foram
adotadas pela família, que conseguiu localizá-lo em seu cárcere, e com quem
manteve correspondência enquanto tomava as medidas jurídicas cabíveis. A
localização do preso se deu graças a um pedido do Senador Dinarte Mariz.
Daquela correspondência Glênio lembrava bem uma carta da sua mãe, Dona Mimosa,
enviada de Fortaleza, em 24.08.74, a qual foi censurada. E prometeu mostrar
depois o documento, com o carimbo da censura. Vivenciadas todas estas
atribulações, em 10 de setembro de 1974 Glênio voltou para Fortaleza depois de
identificado pela advogada Eva Ribeiro Monteiro, que conduzia documento
lacônico registrando sua prisão:
“MINISTÉRIO DO EXÉRCITO - COMANDO DO I EXÉRCITO –
CHEFIA DE POLÍCIA - DECLARAÇÃO - Declaro que o portador da presente, GLÊNIO
FERNANDES DE SÁ, esteve à disposição do I Exército, achando-se atualmente
liberado, podendo deslocar-se para FORTALEZA, sua cidade natal. Rio, GB, 05 de
Setembro de 1974 (a.) MILTON BARBOSA DOS SANTOS – Ten Cel - CHEFE DE POLÍCIA DO
I EXÉRCITO”.
Glênio voltou ao convívio da família em setembro de
1974, mudando-se em seguida para Natal, onde prestou vestibular e começou a
cursar Geologia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Retomou
contato com o movimento estudantil, onde foi dirigente do Centro Acadêmico de
Ciências Exatas, e liderou a reestruturação do Partido Comunista do Brasil. Era
uma pessoa extremamente disciplinada e
organizada, com a agenda sempre preenchida por eventos, estudos e outros
afazeres. Acima de tudo, entretanto, era clara a dedicação 24 horas de cada dia
à militância pólítica.
*Jornalista
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