acesse o RN blog do jornalista João Bosco de Araújo [o Brasil é grande; o Mundo é pequeno]

domingo, 15 de janeiro de 2012

Seu Manoel e as bandeiras de minha infância

Por João Bosco de Araújo
Jornalista boscoaraujo@assessorn.com  

Década de sessenta, menino, cresci no meio de duas bandeiras, verde e vermelha, dos aluizistas e dos dinartistas, respectivamente. E Caicó não era diferente de outras regiões do RN, aliás, era mais fervoroso o clima político, com acirramentos e intrigas. Na época das eleições até os amigos e vizinhos se não empunhassem a mesma bandeira - fincada no teto da fachada da casa de morada - se tornavam opositores e muitas vezes desafetos. Transcrevo, a seguir, um texto antes por mim publicado que reflete essa situação desse acirramento político: 
     
“Sinforosa e as bandeiras de A. A

O  ano era de eleições para governador do Estado.  Pedro Salviano sempre dizia: 'Em quem Aluizio mandar votar eu voto'. O candidato era o Padre, Monsenhor Walfredo Gurgel, o vice-governador de Aluizio Alves. Dona Alzira, sua esposa, era do outro lado por causa do irmão dela, Antenor Tavares, que era muito amigo de Titi de Dinarte, filho do senador e do então candidato da Arena vermelha.

No encerramento da campanha havia um grande comício em Caicó (terra dos dois candidatos). Já era noite, e lá vem Pedro Salviano do sítio em sua camioneta Sinforosa, como sempre completamente lotada, gente por todos os lados. Bandeiras e galhos verdes adornavam o cenário festivo da campanha do candidato do cigano feiticeiro. A carreata se aproximava de uma rua onde se localizava a casa dele na cidade, de onde jamais imaginaria que sua esposa estivesse ali, do lado de fora, na calçada da rua. Dona Alzira não se conteve quando viu aquela situação. Partiu veloz em direção à camioneta com unhas e dentes. Foi um Deus nos acuda. Quebrou todas as bandeiras verdes na indefensável Sinforosa. Não deixou uma sequer. Nem para remédio. Anos depois dona Alzira muda de opinião e adere ao marido aluizista, para a felicidade geral de Sinforosa.”

Pois, é! Sinforosa foi o nome que demos a camioneta Chevrolet ano 51 de meu pai e que foi o veículo de transporte por toda a nossa infância, entre a localidade rural e a cidade, onde estudávamos.

Mas o que estou querendo, na verdade, transcrever agora diz respeito a Seu Manoel Torres, esse caicoense que partiu hoje deixando o Rio Grande do Norte mais pobre, politicamente, como está noticiando a imprensa. Até este domingo, com mais de 90 anos de idade, era ele o político seridoense ainda vivo dos mais respeitados da história político-partidária do RN. Das fileiras do antigo PSD (Partido Social Democrático), foi um de seus fundadores no estado nas eleições da redemocratização em 1945. Fiel aos seus ideários, também foi um dos fundadores no RN do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), depois o partido PMDB, ao lado de Aluizio Alves (que saíra do governo e vida pública cassado pelos Militares), tornando-se nessas últimas décadas seu presidente de Honra no diretório de Caicó, por sua postura de hombridade, lealdade, coerência e altivez na convivência política, tanto que todo candidato que almejasse da confiança do eleitor, propunhava-se a ouvi-lo, pousando para fotos de divulgação ao seu lado.

Nato empreendedor, ao lado dos irmãos, entre os quais, Polion, José, Sebastião e Chico, impulsionou a economia da cidade, gerando emprego, renda e riqueza para a região, especialmente na indústria algodoeira, durante o auge do ciclo do algodão, como também no ramo comercial e de serviços.  
       
Na política, Manoel Torres foi eleito prefeito de Caicó duas vezes (em 1972 ganhou do dinartista e médico Vivaldo Costa e em 1988 do médico Silvio Santos), perdeu duas vezes (em 1968 para o candidato dinartista, o advogado Francisco Medeiros, o Dr. Chiquinho, e em 1996 para Dr. Vivaldo), foi vice-prefeito de Roberto Germano (2000), foi eleito deputado estadual em quatro legislaturas, a primeira em 1954, e primeiro suplente de senador em 1994 (do ex-governador Geraldo Melo). A vizinha Timbaúba dos Batistas, terra de suas origens, foi desmembrada de Caicó em 1962 através de proposição parlamentar de sua autoria.

Como política e futebol se fundem em popularidade, foi na acirrada campanha de 1968 em que ele perdeu por apenas 72 votos para Dr. Chiquinho, que uma das figuras mais ferrenha, vitima de insultos e brigas nas tradicionais passeatas dos comícios ganhou notoriedade: Dona Maria de Tibúrcio, mãe do jogador de futebol Pedrinho de Tibúrcio e fiel escudeira de Seu Manoel Torres. No campo ou na rua, sua imagem era um desacato na provocação ao seu candidato e como resposta desaforada ao outro, chamado pelos adversários de Chico Burra-cega.
  
Outro fato inusitado dessa campanha, o vereador surpreendentemente mais votado foi eleito sem dificuldade alguma, apenas por causa de seu nome Manoel Abgail. Ou seja, durante a campanha, o locutor nos comícios anunciava “É seu Mané”, em alusão ao candidato a prefeito, porém as pessoas dinartistas da cidade começaram a  responder “Abgail”, que era o candidato a vereador, aumentando a sua popularidade e sua estupenda vitória nas urnas. Seu Manoel Abgail não era aluizista,  como era Seu Manoel Torres, mas ganhou votos das duas bandeiras, verde e vermelha.

Bandeiras a partes, tenho boas memórias de Seu Manoel Torres. Nas vezes em que nos encontrávamos, geralmente na festa de Sant’Ana, sempre lembrava de meu pai Pedro Salviano, de quem comentava fatos do Umbuzeiro e Pedreira, localidades de familiares e origens de meu pai.

Já acometido de uma cegueira, ao aproximar para cumprimentá-lo, me identificando, ele logo perguntava: “o jornalista?” e sorridente apertava a minha mão.

Seu Manoel, que Jesus o acolha na Glória do Divino Pai Eterno e descanse em paz na morada dos justos. À família enlutada, as condolências e preces à Senhora Sant’Ana Gloriosa.

Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Copyright © AssessoRN.com | Suporte: Mais Template