Por
João Bosco de Araújo
Década de sessenta, menino, cresci no meio de duas
bandeiras, verde e vermelha, dos aluizistas e dos dinartistas, respectivamente.
E Caicó não era diferente de outras regiões do RN, aliás, era mais fervoroso o
clima político, com acirramentos e intrigas. Na época das eleições até os
amigos e vizinhos se não empunhassem a mesma bandeira - fincada no teto da
fachada da casa de morada - se tornavam opositores e muitas vezes desafetos.
Transcrevo, a seguir, um texto antes por mim publicado que reflete essa
situação desse acirramento político:
“Sinforosa e as bandeiras de A. A
O ano era de
eleições para governador do Estado.
Pedro Salviano sempre dizia: 'Em quem Aluizio mandar votar eu voto'. O
candidato era o Padre, Monsenhor Walfredo Gurgel, o vice-governador de Aluizio
Alves. Dona Alzira, sua esposa, era do outro lado por causa do irmão dela,
Antenor Tavares, que era muito amigo de Titi de Dinarte, filho do senador e do
então candidato da Arena vermelha.
No encerramento da campanha havia um grande comício em
Caicó (terra dos dois candidatos). Já era noite, e lá vem Pedro
Salviano do sítio em sua camioneta Sinforosa, como sempre completamente lotada,
gente por todos os lados. Bandeiras e galhos verdes adornavam o cenário festivo
da campanha do candidato do cigano feiticeiro. A carreata se aproximava de uma rua onde se
localizava a casa dele na cidade, de onde jamais imaginaria que sua esposa
estivesse ali, do lado de fora, na calçada da rua. Dona Alzira não se conteve
quando viu aquela situação. Partiu veloz em direção à camioneta com unhas e
dentes. Foi um Deus nos acuda. Quebrou todas as bandeiras verdes na
indefensável Sinforosa. Não deixou uma sequer. Nem para remédio. Anos depois
dona Alzira muda de opinião e adere ao marido aluizista, para a felicidade
geral de Sinforosa.”
Pois, é! Sinforosa foi o nome que demos a camioneta
Chevrolet ano 51 de meu pai e que foi o veículo de transporte por toda a nossa
infância, entre a localidade rural e a cidade, onde estudávamos.
Mas o que estou querendo, na verdade, transcrever
agora diz respeito a Seu Manoel Torres, esse caicoense que partiu hoje deixando
o Rio Grande do Norte mais pobre, politicamente, como está noticiando a
imprensa. Até este domingo, com mais de 90 anos de idade, era ele o político seridoense
ainda vivo dos mais respeitados da história político-partidária do RN. Das fileiras
do antigo PSD (Partido Social Democrático), foi um de seus fundadores no estado
nas eleições da redemocratização em 1945. Fiel aos seus ideários, também foi um
dos fundadores no RN do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), depois o partido
PMDB, ao lado de Aluizio Alves (que saíra do governo e vida pública cassado pelos Militares), tornando-se nessas últimas décadas
seu presidente de Honra no diretório de Caicó, por sua postura de hombridade, lealdade,
coerência e altivez na convivência política, tanto que todo candidato que almejasse
da confiança do eleitor, propunhava-se a ouvi-lo, pousando para fotos de divulgação
ao seu lado.
Nato empreendedor, ao lado dos irmãos, entre os
quais, Polion, José, Sebastião e Chico, impulsionou a economia da cidade,
gerando emprego, renda e riqueza para a região, especialmente na indústria
algodoeira, durante o auge do ciclo do algodão, como também no ramo comercial e
de serviços.
Na política, Manoel Torres foi eleito prefeito de
Caicó duas vezes (em 1972 ganhou do dinartista e médico Vivaldo Costa e em 1988
do médico Silvio Santos), perdeu duas vezes (em 1968 para o candidato dinartista,
o advogado Francisco Medeiros, o Dr. Chiquinho, e em 1996 para Dr. Vivaldo),
foi vice-prefeito de Roberto Germano (2000), foi eleito deputado estadual em quatro
legislaturas, a primeira em 1954, e primeiro suplente de senador em 1994 (do ex-governador
Geraldo Melo). A vizinha Timbaúba dos Batistas, terra de suas origens, foi
desmembrada de Caicó em 1962 através de proposição parlamentar de sua autoria.
Como política e futebol se fundem em popularidade,
foi na acirrada campanha de 1968 em que ele perdeu por apenas 72 votos para Dr.
Chiquinho, que uma das figuras mais ferrenha, vitima de insultos e brigas nas
tradicionais passeatas dos comícios ganhou notoriedade: Dona Maria de Tibúrcio,
mãe do jogador de futebol Pedrinho de Tibúrcio e fiel escudeira de Seu Manoel Torres.
No campo ou na rua, sua imagem era um desacato na provocação ao seu candidato e
como resposta desaforada ao outro, chamado pelos adversários de Chico Burra-cega.
Outro fato inusitado dessa campanha, o vereador surpreendentemente
mais votado foi eleito sem dificuldade alguma, apenas por causa de seu nome
Manoel Abgail. Ou seja, durante a campanha, o locutor nos comícios anunciava “É
seu Mané”, em alusão ao candidato a prefeito, porém as pessoas dinartistas da cidade começaram
a responder “Abgail”, que era o
candidato a vereador, aumentando a sua popularidade e sua estupenda vitória nas
urnas. Seu Manoel Abgail não era aluizista, como era Seu Manoel Torres, mas
ganhou votos das duas bandeiras, verde e vermelha.
Bandeiras a partes, tenho boas memórias de Seu
Manoel Torres. Nas vezes em que nos encontrávamos, geralmente na festa de Sant’Ana,
sempre lembrava de meu pai Pedro Salviano, de quem comentava fatos do Umbuzeiro
e Pedreira, localidades de familiares e origens de meu pai.
Já acometido de uma cegueira, ao aproximar para cumprimentá-lo,
me identificando, ele logo perguntava: “o jornalista?” e sorridente apertava a
minha mão.
Seu Manoel, que Jesus o acolha na Glória do Divino
Pai Eterno e descanse em paz na morada dos justos. À família enlutada, as condolências
e preces à Senhora Sant’Ana Gloriosa.
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