Toda segurança é psicológica. Nenhuma porta é
inabalável. Nenhum cadeado, inviolável. Nenhum guarda (honesto), inexpugnável.
Nenhum firewall, intransponível. Não é que eu considere essas invenções
destinadas a proteger as pessoas da ação lesiva dos marginais totalmente
inócuas. O que quero dizer é que sua eficácia acontece muito mais no âmbito
psicológico, estabelecendo crenças e expectativas que nos proporcionam
conforto, ao mesmo tempo em que desestimulam a ousadia do delinquente
preguiçoso, ansioso ou sem criatividade.
Você concordará comigo se relembrar as notícias
espetaculares – e indigestas – que a TV nos serve na hora do jantar. A rapina
cinematográfica no cofre do Banco Central… O roubo no cofre do Itaú, onde
ricaços paulistanos guardavam jóias e dinheiro nem sempre passíveis de
comprovação legal… Os assaltos a mansões cercadas de engenhocas eletrônicas e
vigias… As contas bancárias violadas pela internet… Os ataques a computadores
do Palácio do Planalto e até aos das Forças Armadas dos Estados Unidos…
Fatos assim tornam irrefutável o meu argumento
inicial, mas não foram eles que me levaram ao tema em foco. Minha inspiração
vem de acontecimentos corriqueiros de
minha experiência e do arrombamento, no último final de semana, do imóvel onde
funciona o Sapiens, um grupo onde reúno amigos interessados em filosofia e
meditação.
O assalto, o segundo em sete anos, dessa vez foi
assinalado por um protesto inusitado: insatisfeito por não ter encontrado ali
bens que lhe valessem o esforço de estourar cadeados e grades, o ladrão marcou
sua passagem com uma escultura de excrementos no centro da sala. Que a
segurança efetiva só existe no discurso de quem fatura com essa indústria
montada sobre o medo das multidões, eu já sabia.
Foi, porém, ao assistir a agilidade de um simples
chaveiro, ao destrancar o meu carro, que me convenci de que todas as portas do
mundo estão sempre escancaradas. E assim também todos os cofres e todas as
malas e mochilas. Em 2009, em viagem, eu mesmo livrei-me do vexame de não poder
a abrir a própria mochila, cuja chave se extraviara, ao recordar um truque que
me fora ensinado por um vendedor de bolsas. Com uma simples esferográfica,
resolvi o meu problema.
Segurança? Se há vestígios dela no mundo real,
devemos isso mais à honestidade dos chaveiros e à sobriedade de quem sabe os
truques do que a invulnerabilidade de apetrechos e sistemas. E assim será se
algum dia forjarmos uma sociedade com menos delitos e deliquentes. A segurança
efetiva só pode ser assegurada por uma ética que leve em conta a dignidade
humana e os valores maiores da compaixão e da solidariedade.
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