--- Walter Medeiros* waltermedeiros@supercabo.com.br
As jornadas revolucionárias dos anos 70 eram
literalmente de quem fazia a hora, conforme tão fortemente descreveu Geraldo
Vandré em sua canção “Caminhando”. Era preciso lutar contra a ditadura militar,
e para esta luta cada um tinha de fazer sua parte em meio a um mar de
dificuldades e adversidades. A clandestinidade levava à necessidade de parecer
“normal” e natural o encontro entre estudantes em bares, onde, a título de se
divertirem, planejavam e realizavam tarefas de mobilização do Movimento
Estudantil. Tanto que me lembro de uma frase pronunciada por um estudante e
colega de turma no Curso de Direito da UFRN, que dizia: “quando escreverem a
história da revolução brasileira, os bares terão um capítulo muito especial”.
Esta reflexão chega por conta de notícia que vemos
no site do Ministério da Justiça, segundo a qual “Exposição Na Sala Escura da
Tortura chega a Brasília”, através da Comissão de Anistia, pelo projeto Marcas
da Memória. São sete telas inspiradas nos relatos de Frei Tito durante seu
exílio na França, que ficam expostas no Museu Nacional da República até 20 de
novembro corrente. Os quadros, que pertencem ao acervo do Instituto Frei Tito
de Alencar, foram pintados a óleo pelos artistas Julio Le Parc, Gontran Guanaes
Netto, Alejandro Marcos e José Gamarra. A exposição denuncia a tortura. Frei
Tito foi preso por participar do congresso clandestino da União Nacional dos
Estudantes – UNE, em Ibiúna, em 1968. Durante 30 dias, aquele religioso sofreu
torturas nas dependências do DOPS.
A sala escura era algo que gerava dramáticas
interrogações entre os militantes, que estavam dispostos até a enfrentá-la, se
preciso fosse, mas que era encarada com temor, pois o ser humano não nasce para
isto. Apareciam até situações descontraídas e hilárias, pois ninguém é de
ferro, que poderiam também levar algum a declamar versos de uma canção cantada
por Helena de Lima em seu célebre LP “Uma noite no Cangaceiro”, que dizia:
“Ris, podes rir, não faz mal/ todo amor, afinal,/ deixa o peito sangrando...”.
Tão inserida no contexto estava aquele instrumento ditatorial, que fez parte de
uma canção de Chico Buarque que era mais um dos seus verdadeiros gritos de
guerra – “Vai levando”, que dizia: “Mesmo com o nada feito,/ Com a sala
escura,/ Com um nó no peito,/ Com a cara dura,/ Não tem mais jeito,/ A gente
não tem cura”.
Pois lá pelos idos de 1976 cerca de 60 estudantes da
UFRN resolveram ficar solidários a cerca de 100 estudantes que se manifestaram
nas ruas de São Paulo. Resultado: todos foram depor na Assessoria de Segurança e
Informação – ASI da UFRN ou na Polícia Federal, que ficava perto da Maternidade
Januário Cicco.
Na Polícia Federal, o Delegado Hugo Pôvoa
interrogava um militante, enquanto um já estava preso e outros eram esperados
para depor. O interrogatório era tão áspero, a situação era tão tensa, que o
militante estava preocupado com todo aquele aparato. De repente, o inquiridor
se afasta e abre uma porta, de onde o interrogado não vê nenhum sinal de luz. O
policial entra na sala e fecha a porta. O militante imaginou, por um momento,
que poderia ser a Sala Escura, já que havia se negado a responder algumas
coisas sobre a organização do movimento. Mas não era; para seu alívio e alívio
do interrogador. Era apenas a porta do sanitário.
*Jornalista
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