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domingo, 24 de julho de 2011

O tio da nega


Outro dia parei aqui para falar da relação estranha que sempre tive com o funéreo. Nunca soube, na vera, se tinha a ver com a tristeza, o choro das carolas, o cheiro das flores ou com as próprias lembranças do passado. Prefiro os butecos aos cemitérios. Pousar o cotovelo num balcão também é bem menos doloroso que fitar com os olhos, num túmulo frio, quem nem bem partiu mas já deixou um caminhão de saudade.

Muito já se falou na imprensa – e por gente rodada e com muito mais bagagem que o domador dessas mal-traçadas – do sujeito profissional que foi Nílson Mário. Ex-jogador e dirigente, passou para  a história como um ser humano raro que carregava a honestidade e a ética no lombo da vida. Tudo isso num esporte onde essas duas palavrinhas são levadas tão à sério como a opinião do roupeiro na escalação do time na final do campeonato.

Dei mais sorte porque, além do ‘profissa’, conheci o sujeito homem na época em que fui casado com a sobrinha dele. Se nossa convivência não foi diária naqueles sete anos, confesso que torcia sempre para encontrá-lo nas reuniões de família. Era divertido, ria à beça. O que tinha de notícia sobre os bastidores do ABC também era uma festa. O dedo coçava para pegar a caneta e o bloquinho, mas, sabe como é, tinha que manter a pose de agregado.

Esses encontros aconteciam geralmente na entrada da casa da dona Rita, no bairro das Quintas. Matriarca dos Silva, era para onde os cinco irmãos rumavam nas datas de festa. Não tinha um aniversário, dia das mães, dos pais e no Natal que não rolasse um farto café da manhã naquele pedaço da cidade. ‘Seu’ Daniel ainda estava na área.

Quem chegava era saudado por Nílson de acordo com o time do coração. O cunhado e os irmãos americanos sofriam duas vezes: quando o América perdia e no dia das reuniões na casa da dona Rita. Chegavam de cabeça baixa, numa tristeza de dar pena. Quando não passavam direto para a cozinha, ficavam ali encostados no muro com aquele sorriso amarelo escutando as gozações. Não lembro de um desses encontros em que o ABC tivesse por baixo. E se teve, faça o favor, não serei eu quem vai falar de tristeza numa hora dessas.

Nas nossas conversas, tetê-à-tetê, falava com orgulho da época de jogador. Fiquei louco quando, numa dessas histórias, me disse que, por muito pouco, não foi o primeiro jogador potiguar convocado para a seleção brasileira das divisões de base. Quando estava tudo certo, a Marinha não liberou. E Nilson preferiu a certeza da carreira militar que um futuro ao Deus dará.  Quando me via, o papo era geralmente aberto com a mesma história. Lembrava sempre que, quando pequena, Ana vivia cantando desesperada, gasguita e desafinada, o maior sucesso do baiano Luís Caldas da época. Pense numa agonia marcante. Tão marcante que me valeu um cumprimento curioso. Quando me viu pela primeira vez ao lado da sobrinha, Nílson abriu aquele mesmo sorriso das manhãs em dona Rita e estendeu a mão:

- E aí, tudo bem? Eu sou o tio da nega do cabelo duro…
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