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domingo, 24 de julho de 2011

Nossa Senhora Sant'Ana de Caicó


Por Francisco de Assis Medeiros*
Procurador Federal e ex-prefeito de Caicó

Foto:divulgação
Santa Ana, Santana, Sant’ Ana, diversas maneiras de grafar o nome, muitas formas de devoções, muitas diferentes manifestações de fé e muitas festas religiosas e profanas. É julho, o mês da gloriosa padroeira de Caicó, Nossa Senhora Sant'Ana. É tempo de recordar lendas, viver tradições e praticar a fé.  De devoção, amor e emoção. Tempo de alegria, felicidade e esperança.  Tempo de renovação e reencontros. Congraçamento e felicitações.

Caicó nesses dias se transfigura ora rainha ou príncipe, ora vaqueiro corajoso ou touro bravio. A tradição secular mistura-se num só corpo de festa com os costumes mais modernos. Velhos e jovens, abraçados à mesma bandeira religiosa, celebram o vigor da cultura seridoense, sempre renovada através dos séculos.  É o amálgama de dolorosos esforços e sofrimentos nas secas e do delírio da alegria nos anos de inverno. A simbiose dos contrastes da vida sertaneja no Seridó potiguar.

Somente em Caicó, e em nenhum outro lugar dos muitos que conheço, a vida corre assim, tão alegre quando chove e tão festiva quando não chove.  Aqui o homem é imune aos percalços do tempo. Chova ou faça sol, a festa não para.  A de Sant'Ana é a maior delas.

Tenho por certo que quando o padre Francisco Alves Maia, em 1748, celebrou a primeira Festa de Sant'Ana do Seridó jamais imaginou que, mesmo sem procurar gerar qualquer superstição na mente dos seus ouvintes, a tradição religiosa, consagrada pelo tempo, fosse gerar tanto amor nos corações caicoenses. [...]

Há alguns anos, durante a procissão de encerramento da sua Festa, entrevistei alguns participantes da marcha, os quais conduziam pedras na cabeça ou caminhavam de pés descalços.

Dois desses fiéis despertaram em mim especial atenção. Um conduzia nos ombros um menino com 6 anos de idade, tendo aos braços uma imagem de Sant'Ana quase do tamanho da própria criança. O outro, pés descalços, portava cartaz onde se lia apenas “Graças a Sant’Ana deixa de beber”.

O homem que conduzia aos ombros a criança com uma imagem da Senhora Sant'Ana disse-me que o menino até completar cinco anos não sabia andar, apenas arrastava-se pelo chão. Já consultara todos os médicos da cidade. Encaminhado a Natal, a criança foi submetida a diversos e intensos tratamentos fisioterápicos. Nenhuma melhora. Certo dia o menino implorou: “pai eu quero andar, peça mais ajuda ao médico”, não suportou, caiu em pranto. Já não sabia o que fazer. A esposa já entrara em depressão. Vivia sob medicamentos. A vida perdera a beleza.

Pediu fervorosamente a Nossa Senhora Sant'Ana que o ajudasse. Que fizesse o filho andar, que lhe devolvesse a felicidade. O milagre seria divulgado na procissão da Festa para que dele todos tomassem conhecimento. Conduziria o filho nos ombros levando consigo imagem igual à que sai no andor pelas ruas da cidade carregada pelos fiéis. Depois instalaria um oratório para a família, onde, aos lados, colocaria a foto ampliada do filho, mostrando o seu estado antes e depois da cura. O homem, em lágrimas, continuou: “Em menos de um mês o menino estava curado, brincando como se nunca tivesse tido problema algum!”

O homem do cartaz contou que era alcoólatra, viciado em cachaça. Tinha abandonado a família, vivia na sarjeta com a escória da sociedade, marginais, drogados, prostitutas, malandros e criminosos. Perdera a dignidade. Uma filha, de 12 anos de idade, que vivia com a mãe na extrema pobreza, no momento da primeira comunhão pediu a Sant'Ana que afastasse o pai do vício.  Prometeu que pelo resto da vida acompanharia a procissão de encerramento da Festa de pés descalços!

O homem do cartaz, totalmente recuperado do vício, era o pai da menina de pés descalço ao seu lado. Resolveu acompanhar a filha todos os anos, portando sempre aquele cartaz: Graças a Sant'Ana deixei de beber.

Os fiéis de pés descalços ou que carregavam pedras na cabeça todos eles pagavam promessas por curas alcançadas.

A sinceridade com que falavam e a veemência da voz ao relatarem a graça alcançada atestavam a veracidade da história que contavam. 

Posso dizer, portanto, que vi a fé em carne e osso, viva, caminhando pelas ruas de Caicó, ao lado da tradição religiosa das pessoas mais simples e piedosas.

Convenci-me, então, que ninguém pode duvidar da fé. Ninguém pode menosprezar a força das tradições.

A Festa de Sant'Ana de Caicó é um acontecimento mágico, que tem seu paroxismo religioso na procissão de encerramento, tradição que se vem fortalecendo a cada nova geração de caicoenses ao longo desses quase trezentos anos de caminhada.

Em Caicó as mais antigas tradições se amalgamaram com as mais recentes manifestações da modernidade, resultando essa simbiose no que há de melhor no Rio Grande do Norte no tocante a festas sociorreligiosas como a de Sant' Ana.

Dizem por aí que todo caicoense é bairrista, fanático pela sua terra. Quem pensa assim é porque não conhece bem a divinal causa dessa exaltada e enlevada paixão — Sant'Ana!  É por conta dessa arraigada vivência mística que o amor do caicoense à terra natal manifesta-se tão fortemente exaltado e intrépido. É por ela, somente por ela, Nossa Senhora Sant'Ana, que se torna tão manifesta a justa laudabilidade atribuída a Caicó pelos seus filhos. Porque ela, Sant' Ana, reside aqui.

Na velha Praça da Matriz. (Foto acima: Catedral de Sant’ Ana, Caicó). Por vós, cada ano / Nós aqui voltamos; / Da terra ou do céu, / Sempre vos louvamos. (Versos finais do Ofício de Sant'Ana de Caicó).

*Trechos de artigo publicado neste domingo (24) no blog Bar de Ferreirinha


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