Por Jomar Morais*
O mundo convencional tem a marca masculina. Foi construído a partir do impulso de conquista e domínio, sustentado pelo apetite voraz e uma obstinada busca de prazer físico. A palavra-chave nesse contexto é crescer. Graças a essas características saímos da caverna e superamos obstáculos, erigindo nossa civilização tecnológica para a qual nem mais o céu é o limite. Em compensação, a ânsia masculina de avançar e dominar nos levou a perder de vista o detalhe e o oculto, que abrigam a suave essência da vida, deixando-nos abandonados ao eterno combate. O resultado dessa “falha estrutural” é prático e óbvio. Manifesta-se em nós e ao nosso redor sob a forma de angústia, solidão, avareza, medo e violência.
Um mundo assim, tão masculino e tão áspero, só pode ser salvo por um toque feminino. Isso não significa necessariamente que as mulheres devem ocupar todos os postos de comando e, então, impor seus valores e sentimentos ao universo masculino. Agir desse modo seria perpetuar o traço machista que, durante milênios, as condenaram à submissão e ao confinamento. Na verdade, isso não tem a ver sequer com os aspectos exteriores dos gêneros, mas com algumas características psicológicas associadas à feminilidade: sensibilidade, emoção, capacidade de partilha, atenção a detalhes, intuição, espiritualidade... Um toque feminino no mundo contribuiria para balanceá-lo, suavizando a dureza e o rastro de dor e sangue de nossa pulsão por poder e controle.
A psicologia analítica de Carl Jung faz referência a dois aspectos inconscientes que se opõem à personalidade, equilibrando-a. No homem, esse fator arquetípico chama-se Anima ou, simplesmente, a porção mulher descrita na canção de Gilberto Gil. Ela é realçada, por exemplo, na alma dos artistas, dos religiosos e parte dos intelectuais e sufocada na dos guerreiros, dos competidores compulsivos e dos excessivamente lógicos. Na mulher, trata-se do Animus, o lado masculino que se expressa principalmente na coragem das mães e no ímpeto de correr riscos com soluções inovadoras. Tais aspectos também se manifestam no ambiente coletivo e mesmo cósmico, funcionando como polaridades presentes em variados fenômenos.
Em termos sociais, é fácil perceber que Anima continua a ser reprimido, apesar da ascensão funcional das mulheres, não raro ao preço de sacrifício de seus valores e sentimentos, justo aquilo que poderia melhorar o mundo. Mas há sinais otimistas em toda parte, que se refletem na expansão da arte e da espiritualidade em plena aridez do mercado e da racionalidade dogmática. Uma sinalização recente é a pesquisa sobre o perfil do homem urbano brasileiro, maduro e bem sucedido, encomendada pela revista Alfa, nova publicação masculina da Editora Abril. Esse é o homem que, ao contrário do passado, hoje considera como qualidades essenciais ser honesto, responsável e bom pai (em vez de ser rico e sedutor), não se incomoda em chorar e acha que a coisa mais importante na educação dos filhos é passar o senso de família (em vez da agressividade competitiva). Anima começa a mostrar a sua face...
*Texto de Jomar Morais da coluna Plural, publicada às terças-feiras no Novo Jornal (Natal)
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