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domingo, 17 de maio de 2015

As janelas da nossa televisão

Por João Bosco de Araújo*
Jornalista boscoaraujo@assessorn.com  

Foto: pesquisa Google/divulgação
Ver televisão no princípio dos anos setenta em uma cidade do interior ainda era um privilégio de poucos. Nem poderíamos imaginar a revolução que àquela pequena imagem já empregara uma década atrás, após outra de sua inauguração. A conquista brasileira do tricampeonato de futebol na Copa do Mundo de 1970, no México, por exemplo, transmitida em cores pela primeira vez para o país, sequer poderíamos acompanhar em preto e branco. O televisor instalado na sede social da AABB, onde assistíamos com outras dezenas de pessoas, eu particularmente acompanhando minha irmã Salete com seu namorado bancário, era pura imagem de chuvisco, sem uma definição de cor, aliás, aquele aparelho era genuinamente P&B e minha ignorância estava explicita quanto à existência de transmissão colorida naquela ocasião. Oficialmente, a inauguração da tevê colorida só aconteceu dois anos depois.

Nesse período, as novelas da TV Tupi faziam o maior sucesso nas calçadas de Caicó. As cenas inéditas de Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro, lotavam as janelas da casa de dona Aninha de Eustáquio, na esquina das avenidas Rio Branco e Renato Dantas. Pouquíssimas eram as residências (contavam-se nos dedos) que possuíam a exclusividade do precioso aparelho, por isso aqueles primeiros telespectadores se amontoavam do lado de fora das casas, acotovelando-se em busca de uma melhor posição para assistirem aos seus nem tão prediletos programas de tevê
     
Confesso não me tornar um noveleiro assíduo, preferia o humor de Didi e suas trapalhadas aos domingos e as coreografias das chacretes de todos os sábados na Buzina do Velho Guerreiro. E assistir aos programas ganhou, em particular para mim e meus irmãos, progresso considerável, através da televisão de meu padrinho de vela, José Leônidas da Silva, pois éramos convidados a entrar na sala da sua casa, na esquina da Rio Branco com Olegário Vale, cujo cinema São Francisco estava do outro lado da esquina. A coqueluche da vez era ver televisão.

Mas aconteceu o inesperado: Certa vez meu irmão Flávio, contagiado pelas brincadeiras e piadas dos Trapalhões, soltou uma gargalhada das mais estridentes, contrastando com o silencioso ambiente doméstico, contrariando, por sua vez, nossa irmã Salete, também presente à sessão de tevê, e amiga íntima das moças da casa. De imediato, ela reprovou o comportamento nada inglês do visitante, nos expulsando da sala. Para não perdemos o programa, a solução foi procurarmos a janela, só que não contávamos de encontrá-la fechada.

Não teve outra saída. Do lado de fora, combinamos cada um olhar pela fresta da madeira por alguns instantes, enquanto isso o outro ficava apenas a ouvir a narração de quem estivesse a olhar pelo buraco. E assim podíamos rir sem a censura imposta. Cada quadro humorístico tinha uma visão retransmitida pelo olheiro para o ouvinte, revezando-se, simultaneamente, para o outro também ver, dando seqüência à cena, repetidamente com as gargalhadas. Livres, a alegria nos chegava pelo buraco, extensão da janela da televisão.

Na Copa do Mundo de 1974, já morando em São Paulo, recebi carta de casa contando a novidade da chegada de um televisor Colorado, sem ser colorido, reunindo todos na sala de visita, deixando de lado o velho rádio de mesa transistor de 4 faixas. Na capital paulista, a televisão ainda me surpreendia; além do colorido, a imagem de um galego lateral-esquerdo encantava com suas jogadas os campos de futebol de uma Alemanha dividida. Era o nosso Marinho Chagas, de todos os potiguares.

Fico a imaginar, quarenta anos depois a nova imagem da televisão digital em alta definição, já no ar ainda em poucas capitais do país, quem saiba em tempo de assistir à Copa de 2010 (África do Sul), mas com mais precisão, ai sim, para a Copa do Mundo de 2014, aqui no Brasil, com a esperança de ser transmitida, também, da nossa capital norte-rio-grandense.

A verdade é que os lares brasileiros, ultimamente, ocupam mais aparelhos de tevê do que geladeiras, conforme dizem as pesquisas, se bem que naqueles anos geladeira no interior era uma peça de móvel como outra na sala de estar da casa, e tv uma imaginação que poderia ser vista até do buraco de uma janela. A janela que passou a ver o mundo na televisão de nossas casas, como antevia o mestre McLuhan em sua Aldeia Global.

*Texto originalmente publicado em março de 2009, no Diário de Natal, edição DN Seridó.

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