acesse o RN blog do jornalista João Bosco de Araújo [o Brasil é grande; o Mundo é pequeno]

sábado, 5 de janeiro de 2013

Militar, atleta, escritor e de quebra um bom papo

Por Albimar Furtado*
Jornalista albimar@superig.com.br
 
Repórter iniciando a carreira, foca e ainda por cima tímido, um dia fui pautado por Cassiano Arruda para num prédio sisudo da praça André de Albuquerque trabalhar uma matéria que já não me lembro mais do que tratava. Mas recordo que mais do que o prédio, os homens que o habitavam eram de pouco ou quase nenhuma leveza. Sisudos no limite. Todos vestiam farda, todos autoridades de maior ou menor patente, naquele ano de 1967. Me encaminharam a um major que, para confirmar a regra, de pronto parecia uma exceção. Também vestia farda e igualmente não era de riso fácil. Mas tinha um trato ameno, falava pausado e baixo. Sabia ouvir. Tratou bem o foca e o encaminhou para a fonte que daria as informações.
 
O militar ficou sendo minha referência para as matérias buscadas na área. E não era tarefa fácil conseguir informações em anos duros, difíceis, naquele mundo do Quartel General. O tempo passou. Um dia, no mesmo prédio, procurei o mesmo personagem que se despedia da farda, indo para a reserva. Queria saber de sua história, havia sido um dos nossos heróis na Segunda Guerra Mundial, lutando em campos da Itália. Amante da disciplina militar e ao mesmo tempo sensível, emocionou-se. A despedida bateu forte. Tive com ele, depois, contatos nas redações, ele já convocado para prestar serviços na UFRN. Corpo atlético, desafiava os repórteres, todos jovens, a com ele fazer exercícios matinais no campus que estava em construção, alertando para os benefícios à saúde que a atividade física representava.
 
O tempo seguiu e passei anos sem reencontra-lo. Um dia descubro na estante o livro Guerreiros Potiguares, pesquisa densa sobre a participação brasileira e, em particular, potiguar, na Segunda Guerra Mundial. Descubro o militar vocacionado também para as letras. Anos mais tarde, meses de 2010, reencontro Cleantho Homem de Siquira, nós dois frequentadores de uma academia de recuperação física. Eu, por conta de cirurgia feita no joelho. Ele, já aos 90 anos, por complicações cardíacas. Chegou arrastando os pés. Quando saí, ele já se gabava porque driblara a vigilância dos familiares e, sozinho e caminhara de casa até o Café São Luiz, que frequentava. Reclamou os buracos nas rua.
 
Por esses tempos participei,a convite dele, de uma roda de conversa que, com uma confraria, mantinha na mesa de uma padaria na rua Princesa Isabel. Um grupo que lembrava Natal antigo, a vida cultural da cidade, o ar provinciano, seus personagens, a beleza das dunas de Tirol e Petrópolis dominando a urbe. Uma agradável manhã regada a boas histórias. Na academia de recuperação tínhamos conversas diárias. Me contou que estava escrevendo um novo livro, as suas memórias. Nos dias seguintes eu cobrava o trabalho. Tranquilo, como foi a vida toda, respondia: “Estou tocando, mas sem pressa”. Não sei em que pé, ou em quantos capítulos, deixou. Retornando agora de viagem e relendo jornais da segunda metade de dezembro, descubro a nota na Roda Viva de Cassiano Arruda, anunciando a morte de Cleantho, um militar convicto, amante de sua cidade, e que um dia recebeu um “foca” e o tratou como e fora um velho e experiente repórter.
 
*Texto publicado na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
Postagem mais recente Postagem mais antiga Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário

Copyright © AssessoRN.com | Suporte: Mais Template