Um Consulado Caicoense na vida universitária
Por
João Bosco de Araújo
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Foto: acervo Google/divulgação |
A população
universitária brasileira não chegava a 2% naqueles finais de anos da década de
1970. Sentar-se num banco de uma faculdade era privilegio de poucos e vontade
de muitos, a tentar conquistar uma vaga no sonhado mundo acadêmico. A
disparidade de alunos fora de cursos superiores era grande, mas acreditava-se
que o caminho era buscar meios de enfrentar obstáculos e ter como meta passar
no vestibular, virar um “fera”, mesmo que não fosse um cdf. No Seridó, a região
ficou famosa por exportar estudantes “cobras” com títulos de 1º lugar em
concursos vestibulares, fosse em Natal, Campina Grande (PB), Recife (PE) ou
outros pólos universitários de outras regiões. Ainda na década, Caicó e Currais
Novos ganharam núcleos universitários, abrindo as oportunidades de crescimento
de matriculas, iniciando o processo de expansão.
Em campina Grande,
cidade próspera do Cariri paraibano, centro de um vasto número de faculdades e
bem mais próximo em distância para o Seridó do que para a nossa capital
potiguar, tornou-se destino certo para estudantes da região na busca de uma
vaga nos cursos oferecidos de nível superior, cujas opções eram maiores em
universidades particulares e propriamente nas públicas. Na época como não
existiam, na cidade, residências universitárias, os estudantes alugavam imóveis
para suas hospedagens e locais de estudos.
Diante dessa
possibilidade, ficou conhecido na avenida Maciel Pinheiro, mais especificamente
no Edifício Palomo, centro de Campina Grande, o famoso “Consulado Caicoense”,
local exclusivamente reservado para os estudantes provenientes da “Rainha do
Seridó”. Eram dois apartamentos, situados no último andar do edifício, entre
escritórios advocatícios, consultórios médicos e representantes comerciais.
Além de sede “oficial” da turma estrangeira acadêmica, o “Consulado” era parada
obrigatória dos caicoenses estudantes das universidades de Recife, em
Pernambuco, e de João Pessoa, na capital paraibana.
Nessas paradas em
trânsito, nunca faltava o tal do carteado, acompanhado de uns aperitivos e
petiscos, esperando o horário do ônibus que partia para Caicó no outro dia bem
cedo, cuja rodoviária ficava poucos metros dali, por trás do velho Palomo.
Entre os períodos de 1977 a 1978, residiam no apartamento com frente virada
para a rua Maciel Pinheiro os estudantes Diógenes Fernandes; Reginaldo
Clemente, acadêmicos de engenharia civil; Adonias Melo Filho, concluinte de
medicina; e este escriba, nos primeiros anos de jornalismo. Na outra ponta do
pavimento, residiam Eli Mariano (Engenharia de Minas), Francisco Dantas
(Engenharia Mecânica) e João Medeiros (Engenharia Química), além de caicoenses
que moravam na cidade e visitavam assiduamente o Consulado, como Plínio Lobo
(“Primo”), Hudson Araújo, ambos estudantes de engenharia. No ano seguinte
chegava para cursar engenharia de Minas, meu primo Eugênio Pacelli Tavares de
Araújo.
Como de praxe, ao chegar
para fixar residência, cada estreante recebia de imediato um apelido, batizado
pelos mais antigos. Eugênio era “O Fera”, Reginaldo, tinha nome de “Toré”,
Adonias, “Mão de Onça”, irmão de “Vaca-Véia” (Tarcísio Melo) e “Bala-Choca” que
estudavam em Recife. Francisquinho Dantas era “Chico Traço-Traco”, João
Medeiros, “João Banana”, e “Burrão” (Murilo Jorge), que foi fazer Agronomia em
Areia, irmão de Manoel “Canjinha”. “Pirinha” (José Benévolo) e outros
caicoenses cruzaram o Palomo da “Rainha da Borborema”. Já o meu apelido, quem
me batizou foi Toinho de Aníbal e fiquei “C.Pinho”, embora a idéia grafada seja
minha.
Outro a passar no
“Consulado” foi Edílson Galvão, que virou o “Bacharel”, e logo foi transferido
para Natal, onde concluiu o curso de Ciências Sociais. “Bacharel” pretendia
trilhar as causas jurídicas e sua paixão era ser advogado, tanto que por muitas
vezes fomos surpreendidos por seus discursos inflamados em cima de uma cadeira
de um bar em uma esquina qualquer de Campina Grande, a proclamar contra a
ditadura. Quem sabe, sob os olhares e ouvidos dos “dedo-duro”.
Até o ano de 1980,
período de conclusão do meu curso de jornalismo, outros estudantes trilharam a
residência “diplomática” do Palomo. Ainda como aluno colegial Job Torres foi um
deles, a cursar na escola técnica do tradicional Colégio Redentorista de Campina
Grande. A partir do final dos anos oitenta e início da década de 1990, o local
foi praticamente esvaziado, consequência de novos modelos de residências para
universitários, através da implantação de moradias nas próprias universidades.
Interessante ressaltar
que na portaria da recepção do edifício Palomo constava na lista do quadro de
andares e apartamentos, o nome destacado em letras grandes pintadas de negrito:
“Consulado Caicoense”. Agora um consulado de boas recordações.
*Texto originalmente
publicado no Diário de Natal em março de 2009.
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