Por
João Bosco de Araújo*
Confesso que me
emocionei ao ler matéria, nas páginas deste jornal, da despedida de Josias como
barbeiro, fechando seu ponto na Avenida Rio Branco, no centro de Caicó. As
lágrimas me chegaram por razões simples: O salão de Josias tem uma cumplicidade
com minha infância, fora do comum. Tanto é assim que todas as vezes que volto a
Caicó tenho que passar em frente à barbearia, religiosamente. Bastava isso.
Poucas vezes uma parada e uma prosa, o aceno de cumprimento; porém, assiduamente,
a passadinha.
Na minha infância, há
pouco mais de quarenta anos, poucos metros afastavam a barbearia da casa de
onde morávamos, em frente à usina de Dinarte. O corte de cabelo “alemão” nunca
mudava, era um pedido de meu pai Pedro Salviano que no sábado pagava a conta
deixada por mim e meu irmão Gilberto. Depois veio Flávio, meu irmão caçula,
mais um a sentar-se na cadeira, embora já com a luxuosa reforma que o salão
ganhou, um salto grande para a época, e que perdurou até agora.
Tiago, depois Chicão,
completavam o time de barbeiros. Foram dali as minhas primeiras notícias
ouvidas de política e estava entre os assuntos mais prediletos do dia. De um
lado, os dinartistas, do outro, os aluizistas. Entre um corte de cabelo e uma
barba, a tesoura afiada da língua cortava um candidato posto na ciranda de
discussões. A defesa era rápida, nunca faltando o acirramento e o aumento dos
ânimos.
A navalha não parava,
fosse na barba do cliente ou na conversa direcionada a um figurão de plantão.
Desaforos à parte, não havia perdedores. As investidas de Maria de Tibúrcio
contra Dr. Chiquinho que ela o chamava de “Burra-cega”, candidato a prefeito do
lado vermelho. Os ataques de “cadê o touro, Polion”, ao lado verde, de ‘Seu’
Manoel, perdendo a campanha por apenas 72 votos das urnas de Lajinhas.
Futebol, outro assunto
em pauta, mulheres, as mais faladas, o inverno ou as chuvas que não chegavam!
Quem matou Dr. Carlindo e Aníbal? Ninguém se atrevia a comentar. A não ser o
bang-bang da tela do cinema de “Seu” Severino Modesto, posteriormente de “Zé do
Ouro”. O movimento estudantil se organizava, com a União Estudantil Caicoense
(UEC). Os irmãos Ruy Pereira e Jaime Calado, juntos com Jose Bezerra, Salomão
Gurgel e outros combatentes, enfileiravam a defesa da categoria. O mundo
explodia de protestos. Em Brasília, na nova capital federal, os generais
endureciam o regime.
O salão da barbearia de
Josias, como se vê, tinha suas peculiaridades e para quem era apenas uma
criança chegando depois à adolescência,
marcou definitivamente, além daquele corte de cabelo de recruta, de soldado
germânico. Anos mais tarde, na juventude, os cabelos longos, estilo black, faziam a cabeça da rapaziada. O
distanciamento de Josias, e sua barbearia, se deu naturalmente, comigo,
particularmente, que migrei para o Sudeste.
Josias Alves de
Medeiros, seu nome completo, na véspera de seus 80 anos, disse na reportagem
que parou por causa da idade, alegando estar velho, sem futuro de tudo. Tudo
foi seu trabalho de mais de meio século dedicado diariamente a sua fiel
clientela. Desde meninos como eu - que na época ao me sentar na poltrona ele
colocava uma tampa de mala de madeira para ficar na altura ideal -, a jovens,
adultos e aposentados que freqüentaram seu salão até a primeira semana deste
fevereiro de século 21, e que a partir de então passa para a história do
cotidiano e da vida do povo caicoense.
O tempo da conjugação
verbal também mudou. Ficou assim: “todas as vezes que voltasse a Caicó, teria
que passar na barbearia de Josias”. Basta isso, para que me aperte uma saudade
danada!
“Josias, vim para você
tirar meu cabelo, depois meu pai lhe paga”, era assim o diálogo, eu menino, ele
barbeiro!
*Texto originalmente
publicado no Diário de Natal em 14/02/2009 (foto), embora na atualidade o nosso
Josias não esteja mais neste mundo dos mortais.
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