Por
João Bosco de Araújo*
Jornalista
▶ boscoaraujo@assessorn.com
Confesso que não me imaginava
no meio da rua, numa brincadeira de crianças. Tampouco poderia imaginar no meio
de pessoas cujo tempo não passou. Passaram as imagens de um tempo distante na
infância. Iam chegando “Galego” (Jaciel), Joacir, Mirian, Jalmir, depois
Ermínia, Marieta, ainda faltavam Fátima, Jurandir, Mércia, “Seu Zé” (Jasiel).
Do outro lado havia mais gente.
Corri na direção do lado
esquerdo à minha casa, na Augusto Monteiro. Já era noite, o dever de casa da
aula do dia estava pronto no caderno. Outros meninos se reuniam para mais uma
brincadeira. Barra-bandeira, garrafão, "manzuá", jogo de bola, rabuge. Ninguém
decidia, até que surge a idéia de inventar um cineminha. A invenção dos irmãos
Lumière iluminava os meninos daquela rua de uma cidade distante de Paris. O
projeto se concretiza, após copiar de uma revista antiga como se fazer um
projetor de imagens apenas com uma caixa de sapatos, uma lente e uma lâmpada
elétrica.
Simples, mas o quê passar
naquela máquina e refletir na parede
à cal? O lixo do Cine São Francisco, a solução! Pontas de fitas de filmes. ‘No
Tempo das Diligencias’, ‘O Dólar Furado’, ‘Django’, ‘Dio como ti amo’, a
maioria faroeste. Fora dali, a cidade vivia outro rolo de bang-bang.
Concluía-se o imaginário, criando situações vividas no cotidiano familiar, com
tiras pintadas a lápis de tinta em pedaços de material plástico, ou seja, o que
seria o noticiário cinematográfico.
Espetacular! Só faltava o
escurinho do cinema. Providenciam-se os bilhetes de ingressos, valendo uma lata
vazia de doce ou uma garrafa de casco inteiro. Fila de entrada. Vieram
“Cabecinha de Dom” (Willame), Roberto de Anita, Geraldo “Besteira”, Manoel
“Batata”, ainda chegou da outra rua a patota de Irazu, pouco depois Jorge (“Pé
de Pato”) – neto de Seu Horácio do hotel; quem mais, Eugênio de Tio Toinho, uma
turma do outro lado da rua, me parece que Netão e “Caçote”, irmãos dos soldados
“106” e “107”, e mais outros que também apareceram. Justino Dantas, Rocha de
Seu Martiniano, Miranildo, e a fila no beco ia dobrando o canto do muro.
Como não era um clube do Bolinha,
várias meninas engrossaram a fileira, adentrando-se ao recinto fechado, aos
fundos da casa, local de onde se realizaram, posteriormente, outras
brincadeiras. Antes, porém, de abrirem-se as cortinas acontece o inusitado. Na
portaria, meu irmão Gilberto não deixara entrar Pedro nem Paulo Afonso, que não
compraram os ingressos. Desolados, os dois irmãos saem apressadamente. Ligeiro
foi o retorno de Paulo, com ingresso em punho. Só que ninguém esperava uma
revanche. Poucos minutos após o início da magia daquela sessão, o cineminha
esvaziava-se, totalmente, com insuportável odor, pior do que cheiro de enxofre,
resultado de quem ingeriu batata misturada a ovos.
Sadia foi a ideia daquele
cineminha de rua, explorando a criatividade para outras atividades fora da
escola, surgindo daí o circo com encenações teatrais, a bandinha de lata e
cornetas de ‘mangueira’ e uma convivência formada na união e no sentimento de
companheirismo.
À velocidade do tempo, volto e
percebo que Fátima, Jurandir e Mércia não estavam na fila, agora daquele banco
de igreja. Estiveram anteriormente. Nem “Seu Zé”. Mas “Zebu”, como também era
chamado Jasiel, partira antes para a morada do Deus Pai, assim como Dona Maria
Cunha, a mãe de todos esses filhos, cuja família e amigos participavam, naquele
momento, da missa de trigésimo dia de seu falecimento, celebrada dia 4 de julho
por outro caicoense, Monsenhor Lucas Batista, na Igreja de Santo Afonso de
Ligório (Mirassol), em Natal.
Maria Cunha do Nascimento que
nasceu para a eternidade aos 85 anos, deixa uma lição de vida para todos, ao
seu redor; exemplo de resistência, perseverança e abnegação. Sua experiência de
vida fica anotada na fita de nosso cineminha de criança surgido em sua casa em
uma rua caicoense. Quem a conheceu, sabe muito bem da sua fibra, de uma mulher
de luta!
*Texto publicado em julho de
2008, no Diário de Natal, um mês após o falecimento de Maria Cunha, carinhosa
vizinha da rua de nossa infância!
- Atualizado com esta foto de 2018, na janela do sítio da família, área urbana de Caicó, açude Itans; da esquerda para a direita: (o irmão de criação Zé Silvestre), Miriam, Jalmir, Fátima e Marieta, do lado externo, Jurandir, Joacir e Jaciel (Galego). Faltando Ermínia, Mércia e Jaziel/Seu Zé (falecido).
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