Desfile Bangu, numa noite quente dos anos cinquenta
Por
João Bosco de Araújo*
A data não me foi confirmada com precisão, mas foi em um
daqueles efervescentes anos da década de 1950, de um mundo pós-guerra, cheio de
esperanças e reconstrução. Para aqueles jovens de uma cidade do interior, a
vida era um renascer a cada dia, de vibração, energia resplandecida na certeza
de conquistar novos horizontes. Naquela pequena cidade, embora reconhecida como
a terceira maior do estado, Caicó crescia com a força do progresso que se
prenunciava, e estava na tela do cinema de Seu Clóvis, a exibir clássicos de
fitas inesquecíveis da produção norte-americana. Na política local, com nomes
da região destacados no cenário estadual e até nacional. No seio da sociedade
não era diferente, moças e rapazes viviam o glamour dos anos dourados.
Festas e promoções sociais eram organizadas na cidade, costume
que se perpetuou, tanto que nos anos seguintes Caicó chegou a ter dez clubes
sociais em toda a cidade. Mas naqueles anos, eram freqüentados o Atlético Tênis
Clube e a sede social do Caicó Esporte Clube, dos pretos. O mundo se dividia
também nas cores da pele. Uma pena!
Mas não me faltam detalhes para esse pretérito relato, final dos
anos cinqüenta, se bem que não tinha idade nem para as primeiras palavras, estava
apenas engatinhando no corredor da casa do meu avô materno Severino Tavares de
Araújo, fazedor de chapéu de couro em sua oficina da rua Augusto Monteiro,
centro da cidade. Quem me contou, depois, foi meu tio Antenor Tavares de
Araújo, filho do meu avô. Titenor fora diretor social do Atlético Clube, cujo
presidente era Abílio Félix.
Como diretor social, Antenor Tavares promoveu belíssimas festas,
ainda nas lembranças e registros de fotos de seus contemporâneos. Foi ele o
pioneiro na cidade a realizar o Baile das Debutantes e de tantos outros do
calendário social, nunca faltando as surpresas. E nesse ínterim, organizam-se
um desfile de modas. O patrocínio veio de fora, fornecedores de Recife que
visitavam o comércio para a venda de tecidos. Bangu seria a etiqueta da moda e
dez moças foram escolhidas para desfilarem na passarela do Tênis Clube.
Tudo como mandava o figurino. A Festa Garota Bangu foi sucesso
total, inclusive de bilheteria. Ninguém esperava o inusitado. Dentre os
organizadores da promoção, sempre estavam os colegas da turma do Ginásio
Diocesano Seridoense, entre os quais o jovem João Diniz Fernandes, rapaz
inteligente, namorador, que naquela noite quente não titubeou e, segundo Tio
Antenor, o irrequieto João Diniz nem bem amanhecera o dia e já viajara para
Natal. Na capital, deu uma grande farra com as meninas de “Maria Boa”, deixando
para trás o caixa da festa vazio. Na volta, ganhou o nome que o imortalizou: “João
Bangu”.
Meu tio, que está com 76 anos de idade, não sabia da morte de João Bangu ocorrida no meio
da semana. Ao avisá-lo, por telefone, lamentou a perda do amigo e colega,
observando que por isso não o tinha mais visto lá pelo Hiper.
Não fui seu aluno de matemática, porque fiz o ginasial no
Joaquim Apolinar, mas quem tem 50 anos ou mais e estudou no Estadual (hoje
CEJA), certamente que foi aluno do professor João Bangu. Sabia matemática como
ninguém, ensinando com firmeza também para a vida.
*Texto originalmente publicado no Diário de Natal em janeiro de
2009, caderno DN Seridó
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