“A pesquisa no zebrafish é usada para que
no futuro possa aplicar os resultados nos seres humanos”
Uma taça de
bebida alcoólica para o brinde; dois ou três copos para socializar. A sensação
de euforia e felicidade pode levar à vontade de repetir a dose por mais dias,
até que a continuidade do consumo gera a dependência. Sabe-se que o álcool,
droga legalizada tão presente na sociedade, provoca efeitos nocivos se ingerido
em excesso – segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode causar mais de
200 doenças, inclusive mentais. Porém, um pouco da bebida no organismo traz
algum benefício? Quais os principais prejuízos ao corpo humano? Existe uma
personalidade mais suscetível ao vício? Há outra substância que pode ser usada
para tratar o alcoolismo?
A busca por
essas respostas é o grande desafio de uma pesquisa desenvolvida no Fish Lab do
Centro de Biociências (CB) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), que busca compreender os efeitos do álcool no sistema nervoso por meio
das alterações comportamentais identificadas em estudos com o peixe-zebra
(Danio rerio). De origem asiática, o zebrafish, também conhecido como
paulistinha, é aliado da ciência pela semelhança genética de aproximadamente
70% com os seres humanos, podendo chegar a 90% em algumas linhagens. Essa
característica favorece a pesquisa translacional, que tem início na ciência
básica e termina na aplicação prática do conhecimento apreendido.
A
coordenadora do Fish Lab e professora do curso de Fisiologia da UFRN, Ana
Carolina Luchiari, que conquistou financiamento do Instituto Serrapilheira para
a pesquisa, explica que o zebrafish é usado como base para que, no futuro,
possamos aplicar os resultados nos seres humanos. O ponto de partida do estudo
consiste na comparação entre vício e diferença comportamental dos indivíduos.
Para tanto, a equipe do laboratório realiza testes com os peixes para
separá-los por grupos de personalidade: todos são colocados juntos na metade
escura de um aquário, com uma divisória que dá acesso a um espaço mais claro,
para o qual migram alguns do cardume. Estes desbravadores são considerados os
mais corajosos, que gostam de abraçar os riscos, enquanto os que ficaram no
escuro recebem a classificação de mais comedidos.
Após essa
distinção, os peixes absorvem diferentes proporções de álcool diluído na água
para a posterior avaliação dos efeitos provocados pela substância, que modifica
as quantidades de neurotransmissores como a dopamina – responsável pela
sensação de prazer. Os testes indicaram, por exemplo, que indivíduos
anteriormente mais corajosos diminuíram esse comportamento; já os comedidos
adotaram atitudes mais arriscadas. Em outra etapa da pesquisa, pretende-se
identificar quais neurotransmissores alteram o comportamento e se existe alguma
droga capaz de bloquear a ação dessas secreções no cérebro, a fim de avaliar se
a conduta do indivíduo não sofrerá mudanças.
Outro foco é
voltado para as implicações do álcool na geração posterior, acometida pela
síndrome alcoólica fetal, em conseqüência do consumo da substância pelas mães
durante a gestação – principalmente no primeiro trimestre. “Dois a cada 100
indivíduos nascidos têm a síndrome em níveis diferentes, que variam desde
aspectos físicos característicos até problemas cognitivos geralmente
descobertos na vida escolar”, detalha Ana Luchiari. De acordo com a professora, diferentes
quantidades de álcool são inseridas nos ovos de peixe-zebra para análise de
como a droga afeta os indivíduos em todos os momentos da vida, desde a formação
até a fase adulta.
Benefícios
para o ser humano
A partir dos
estudos com o peixe-zebra, busca-se oferecer para a sociedade a explicação do
funcionamento do álcool no organismo: quais os efeitos, danos e benefícios, com
a indicação de quantidades limites para um consumo saudável. A pesquisa do Fish
Lab já constatou melhoria cognitiva ocasionada pela presença diária de 0,1% de
álcool no organismo, porém, o efeito é revertido caso haja consumo excessivo
esporadicamente. “Nossa proposta é ensinar a população como usar o álcool para
obter vantagens ao invés de prejuízos, além de expor os efeitos prejudiciais da
droga em alguns momentos, a exemplo da gravidez. Inclusive, procuramos soluções
para melhorar a qualidade de vida e facilitar o aprendizado das pessoas com
síndrome alcoólica fetal”, complementa Ana Luchiari.
A pesquisa
também busca contribuir para a identificação das personalidades mais propensas
ao vício, começando pela comparação entre os grupos de peixes corajosos e
comedidos. Estes últimos tomaram mais atitudes arriscadas e exploraram o
ambiente do aquário depois de absorver o álcool; do mesmo modo, há seres
humanos que recorrem à droga para ficar mais desinibidos e sociáveis. Os
estudos tentarão descobrir se essas pessoas têm maior tendência de procurar
novamente o álcool para repetir a sensação em novas ocasiões.
Para a etapa
final do projeto apresentado ao Instituto Serrapilheira, planeja-se testar as
drogas atualmente utilizadas no tratamento do alcoolismo, de acordo com as
diferentes personalidades dos indivíduos. Segundo a coordenadora do Fish Lab,
apenas de 7% a 10% dos alcoólatras conseguem resultados positivos com esses
remédios, enquanto os demais reincidem no consumo. Por esse motivo, será
estudado o tipo adequado de droga para cada personalidade e, caso não obtenham
êxito, haverá testes de um medicamento alternativo. [ASCOM – Reitoria/UFRN]
Fotos: Cícero Oliveira
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