Coisas de jornal - por Emanoel Barreto
´Zé
Aproniano trabalhava como pedreiro.
Paulo Setts era sempre visto em seu consultório médico. Josepha Crescência era
advogada. Anúbio Florentino contador e Malachias Petrônio tinha escritório de
venda de imóveis. Já Asclepíades trabalhava como corrupto. De todos era o que
melhor vivia.
Tudo para
ele começou assim: na juventude dava um duro danado como camelô para sustentar
a família e até mesmo a sogra rabugenta e infame.
Um belo dia
lhe arranjaram emprego como porteiro na Câmara Municipal. Ali, rapidamente
aprendeu os hábitos da Casa e deu-se muito bem. A saber: fez pequenos favores a
pessoas pobres, acobertou falhas de colegas e pagava chamadas de cana para
bebos em botecos safados. Mais: arranjou fichas para atendimento médico,
tickets a desempregados, conluios com líderes comunitários, etc..., etc...,
etc...
Com isso,
você queria o quê? Aparentou prestígio, angariou votos e, óbvio, foi eleito
vereador. Teve, como seria de se esperar, excelente desempenho, ou seja:
intermediou verbas, ganhou elegantes e justíssimas propinas, trocou favores,
propiciou imoralidades e, pronto!, afirmou-se no ramo.
Mas, cruel,
o povo que o elegera vereador exigiu dele mais e mais, e tornou-o deputado
estadual. Coitado; como sofreu avançando horas e horas noite adentro,
executando grandes planos para desviar dinheiro público e outras falcatruas.
Resultado: o povo cobrou mais do pobre-diabo, que foi obrigado a ser deputado
federal. Aí sim foi sofrimento grande.
Muito lhe
foi imposto em termos de manobras e conciliábulos, traficâncias e caixa dois.
Cansadíssimo, viu-se depois frente a novo e grande percalço: foi com notável
esforço que o convenceram, ou melhor, intimaram a novo e terrível tormento:
chegar ao Senado.
Desesperado,
sem saber mais o que fazer para atender ao povo ("Acho que esse povo quer
que eu morra..."), continuou a trabalhar como corrupto, sofrendo
inomináveis suplícios tipo beber champanhe com grandes empresários, almoçar com
doleiros, ouvir reclamos de operadores de propina, fazer ajustes em dinheiro
desviado para fora do país .
Todavia, o
povo queria mais - veja como o povo é cruel - e agora vinha forçá-lo a ser
governador. "Ó, Senhor, que atroz destino, fado e sina", lamentava-se
o corrupto na solidão, ajoelhado ante um oratório; e se perguntava: "Por
quê? Por quê? Por quê?".
Afinal,
eleito ao novo cargo entregou-se ao martírio de atuar duplamente: como
governador e como corrupto. Imbatível.
Afinal, anos
e anos depois de grandes serviços prestados à safadagem, sentiu-se cansado;
melhor dizendo, estava exausto e decidiu-se: reuniu toda a família e anunciou
sua retirada da vida pública.
Disse:
"Após anos e anos trabalhando em favor do povo e da corrupção, mas sempre
injustiçado pela imprensa, injuriado pelos adversários e acusado sem provas,
quero comunicar que, ao contrário de Dom Pedro, não fico."
"Por
que, papai, por que não fica mais na corrupção?", quis saber o filho mais
velho, justificadamente preocupado.
Ele
respondeu: "Estou muito cansado. Não trabalhe tanto como o seu velho pai,
meu filho. Corrupção é coisa de muita responsabilidade. Arte finíssima. Cansa
muito. Corrupção é uma sina, é missão altíssima e exigente. Assim, não
insistam, pois não mais trabalharei como corrupto. Não peçam mais a mim tal
sacrifício."
"E o
senhor vai trabalhar com o quê, se somente sabe trabalhar como corrupto e
corruptor?", rebateu uma filha, temerosa de que o pai, afastado de seus
afazeres, entrasse em lamentável depressão.
"Meus
filhinhos", disse ele com os olhos em lágrimas, "agora papai vai
ficar mais em casa e dar total assistência à família. Agora papai não precisa
mais trabalhar como corrupto. Acabaram-se meus dias de sofrimento."
"Agora",
disse com um sorriso no olhar, "papai vai ser empreiteiro."
Foto: http://www.google.com.br/imgres?q=corrup%C3%A7%C3%A3o&hl=pt-
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