Do lamento de Caicó
Por Fernando
Antonio Bezerra
Em qualquer
das entradas, vindo de onde vier, se descortina as torres de Caicó, seja dos
novos edifícios, seja de sua expressiva Catedral. Quem chega e gosta do lugar,
logo entenderá a cidade... Caicó, se pouco fala, muito expressa por sentimentos
que permeiam seus rostos e ruas. É possível saber, mesmo em qualquer entrada,
se há tristeza ou alegria. De fato, Caicó não consegue esconder o que sente.
Evidentemente
que há sentimentos alternados em função dos meses ou das duas estações –
inverno e verão – que marcam a vida caicoense, mas a força do homem está tendo
maior interferência e, não raro, deixando Caicó entristecida, amedrontada,
cabisbaixa como nunca foi... Se tem inverno, Caicó é vibrante, tem cheiro e cor
de vida, mas, mesmo com a seca, consegue festejar. Com crise ou sem crise,
Caicó se reinventava do algodão para o boné; do doce para o sorvete; da costura
para o bordado, enfim, tirando leite de vacas e pedras, vivendo da poeira e da
paixão, o tempo ruim não tinha o espanto da atrocidade ou a brutalidade da
tragédia. Não tinha!
Alguém, com
amparada razão, dirá que em todos os tempos sempre existiu arruaças,
cavilações, rixas, desordens e contravenções, inclusive, no Caicó de todos nós
do passado mais distante ou próximo... Contudo, não com a frequência
incontrolável de hoje; nunca por tantos motivos banais que se acumulam
atualmente; nada que se compare ao desajuste do dia presente. Se é pela
presença do presídio, pela degradação dos costumes, pela omissão de alguns,
pelo interesse de outros ou pelo fim da era, alguma coisa precisa ser feita.
Assim – triste e amedrontada - não era a terra onde Sant'Ana fez morada.
Aliás,
triste, amedrontada e ferida. Recentemente tombou no chão, vítima do grave
contexto de insegurança que impera em Caicó, um dos melhores filhos da cidade:
Severiano Firmino de Araújo Filho. Pelo nome completo, muitos não o conheceram.
Por Sevi, entretanto, uma multidão o conhecia e respeitava. Construiu ao longo
de 66 anos uma vida de honradez, à custa de muito trabalho, construindo
numerosa legião de amigos e exemplar reverência à família e ao bom costume da
palavra como patrimônio.
Sevi, filho
de Severiano Firmino de Araújo e Concessa Costa de Araújo, em 1967, ainda aos
16 anos, assumiu a liderança da família com a precoce morte do pai. Foi
comerciante, caminhoneiro, voltou a ser comerciante. Foi irrequieto, trabalhou
com afinco, protegeu a mãe e os irmãos, construiu o caminho para se estabelecer
como vendedor de veículos e, neste ofício, o mais conhecido do Seridó. Fez
negócios em outros segmentos. Tinha a sorte dos vencedores alicerçada pela
conhecida disposição de trabalhar, do nascer ao pôr do sol.
Construiu
credibilidade, patrimônio, boas amizades e ampliou a família. Dividiu com Ana
Maria Clemente de Araújo, sua esposa, a maior das missões: trazer ao mundo e educar
gente nova, com o cuidado de que Mateus, Luanda, Natália, Ana Clara, Rafaela e
Heitor, como os pais, fossem reconhecidos pela honradez de práticas e gestos.
A história,
portanto, foi bem conduzida por ele, com a ajuda de tantos. Tinha, em resumo,
um bom norte e tudo para ter um final feliz! A história dele, como todos sabem,
foi interrompida no último dia 12 de dezembro pela planejada ação de criminosos
que invadiram um lar, tornaram reféns pessoas indefesas, agredindo-as com
palavras e força, com fim de subtrair patrimônio de quem trabalhou e deixá-las
traumatizadas, um roteiro que tem se repetido com insuportável frequência. A
interrupção da história de Sevi, de modo abrupto e revoltante, trouxe tristeza
à cidade. Consternou o povo. Provocou reflexão. Motivou lamentos e brados de
justiça.
A família
perdeu o líder e o ente mais querido; Caicó, um empreendedor que honrava o nome
da família e da própria cidade em seus negócios que, aliás, iam além do Seridó.
A
saudade e a
dor estão lamentavelmente inauguradas no seio da família de Sevi.
Mas, será
que não seria oportuno diante da tragédia ocorrida consolidarmos um pacto
contra a violência, começando com cada um revendo conceitos e hábitos,
envolvendo instituições e autoridades, sem amarras a ideologias ou projetos
eleitorais? Penso que o lamento de Caicó deveria ter consequências. A cidade de
crença, que acredita no lugar dos justos no horizonte que a fé nos faz
enxergar, precisa reencontrar a alegria da paz.
*Fernando Antonio Bezerra é potiguar do
Seridó / com post na página Bar de
Ferreirinha
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