Por Albimar Furtado*
Jornalista ▶ albimar@superig.com.br
Ano Novo e o mundo todo
traçando planos, ressuscitando sonhos, fazendo promessas, relacionando
objetivos e prioridades para o novo tempo que começa. Claro que também tracei
planos, principalmente porque eles são cada vez mais necessários a quem chega
aos 70, as forças e a agilidade já se distanciando, mas a vontade de viver, sem
temer a morte (Caetano já dizia que não temos tempo de temer a morte) se
apresentando mais forte. Mas além do futuro fui envolvido também por lembranças
de trabalhos realizados (e outros que poderiam ter sido e não foram) dentro do
que mais gostei de fazer como profissional: ser repórter. Pelo menos tentei
sê-lo.
Tive a sorte de ser
repórter da geral. Tempos em que o jornal tinha apenas 12 páginas e a editoria
Geral englobava quase tudo. Fiz política, economia, cidade, saúde e um bocado
de etc. Mas foram matérias, feitas ou deixadas de serem feitas- e que não mereceram
o status de manchete, sequer de chamada de primeira página, que dominaram minhas lembranças de agora. Personagens que
por breves momentos entraram em minha vida e hoje são só lembranças. Tipo a
cigana jovem e bonita, olhar perdido e triste, isolada no bando que acampava em
área plana de Igapó, tempos em que a região era um conjunto de fazendolas.
Tentei entrevista-la, em vão. Olhar fixo no horizonte, teimava em não
responder. O cigano jovem que estava próximo, explicou: “Ela não gosta de
falar. Ela não é cigana, é índia lá do Norte. O bando roubou a índia quando ela
era menina”. Foi o ponto central da matéria e por dias seguidos aquela história
me deixou angustiado. Não era ficção,
era notícia, real.
Passou, nesse filme
breve, a cena da matéria, boa matéria, que a inexperiência do repórter
iniciante deixou passar. Pautado, fui novamente à Zona Norte fazer a matéria do
circo “tomara que não chova”, aqueles que nâo têm cobertura, apenas uma
empanada em sua volta. Nessa noite choveu. E muito. Lembro bem do olhar triste
do dono do circo, que também era palhaço, olhando o tempo e concluindo que não
havia outra saída, senão cancelar o espetáculo. Nunca imaginara testemunhar a
tristeza de um palhaço. Achei que por falta do show não valeria a matéria. Até
hoje não sei porque não fui sumariamente dispensado do estágio que fazia na
redação. Perdi uma formidável matéria.
Nestas histórias que não
davam manchetes mas eram formidáveis histórias, lembro de Seu João, de 82 anos
que se enamorou de Maria, a vizinha de 24 anos. Perguntei se suportaria o
desafio e ele me contou que caminhava a pé, todos os dias, do bairro de Dix
Sept Rosado, onde morava, para as Rocas. Queria me convencer que
corresponderia, sim, às expectativas de Maria. Acompanhei parte do romance,
incluindo o noivado, as articulações para que participasse do programa
Discoteca do Chacrinha. No mundo todo poderia haver um homem tão feliz como Seu
João. Mais que isso, nunca. No dia do casamento seguido do embarque para ser
personagem do programa de maior audiência da televisão brasileira, eu estava
viajando. Uma frustração de repórter. Melhor assim. Ana Maria Cocentino, colega
de redação, deu um rendimento à reportagem muito maior do que eu poderia dar.
Bela matéria.
Foram personagens, pra
mim inesquecíveis, que enriqueceram minha vida de repórter. Neste Ano Novo
lembro que um dia eles me fizeram enxergar faces distintas da vida. Onde
quer estejam sou e serei sempre grato.
*Texto publicado na coluna do jornalista no Novo Jornal
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