Por Flávio Rezende*
Durante toda nossa
existência na matéria vivenciamos diversas experiências e, muitas vezes,
passamos largos espaços de tempo da vida dedicados a alguma atividade em
especial. Ciclos giram e nem percebemos, quando num certo dia, começamos a
ficar incomodados ou inquietos e, de repente, passamos a gostar e querer fazer
outras coisas.
Nos últimos 25 anos além
das atividades de jornalista, escritor, promotor de eventos, carnavalesco,
construtor, pequeno comerciante e algumas outras, dediquei parte significativa
de minha existência para trabalhos sociais, evoluindo aos poucos em abrangência,
ao ponto máximo de fundar uma organização não governamental e mergulhar de
corpo e alma neste projeto.
Para que tudo isso
pudesse acontecer algumas coisas foram fundamentais, como a vontade irredutível
de ajudar, sem nunca em tempo algum pensar em ser político e nem me beneficiar
financeiramente disso e nem misturar minhas crenças espirituais neste trabalho,
além do fato de ser jornalista e ter congregado um mundo de amigos que me
ajudaram durante todo o processo, acrescentando aí alguns outros fatores de
menor relevância.
Essa mistura de
ingredientes me levou nos últimos tempos a uma série imensa de ações que
passaram por horas e horas de esperas para falar com autoridades, de sentadas
em bancos de repartições diversas no encaminhamento de soluções e pedidos
vários com fins humanitários, muitas e muitas providências de ordem
burocrática, lidando cotidianamente com questões de arrumar emprego para
pessoas, ajudar financeiramente em situações de todo tipo, dar vida a projetos,
executá-los, conseguir item por item coisas para que os mesmos acontecessem e
me envolver na obtenção de apoio para construir a Casa do Bem, aprovar seu
projeto, equipar depois do prédio pronto, fazer campanhas e campanhas para
conseguir voluntários, dinheiro, equipamentos e até hoje, harmonizar situações
que passam por conflitos humanos, não podendo em momento nenhum sair da linha,
para que não ficasse só diante de tantas pessoas necessitadas de carinho e
atenção.
Nesta caminhada de dez
anos enquanto dirigente da Casa do Bem nunca pude contar com nenhum funcionário
por não ter dinheiro suficiente para isso, conto sim com valorosos voluntários
e alguns que gratificamos para que o barco da luz continue seguindo sua rota
navegatória de bem servir.
Nestes dez anos vi meu
prestígio lentamente diminuir ao ponto de hoje não conseguir reunir quase
ninguém nos eventos da Casa do Bem e nem nos meus pessoais. Para ilustrar,
chegava a vender mil livros num lançamento antigamente, com média em torno de
350 livros, hoje não passo de 50. Olho para um lado e para outro e não vejo
quase ninguém.
Nos eventos da Casa do
Bem só conto com o pessoal do bairro. Faço apelos praticamente todos os dias
para que as pessoas possam depositar algo em nossa conta corrente e raríssimos
o fazem, chegando a contar nos dedos as empresas e os abnegados colaboradores.
No passado era repórter
de tevê, tinha coluna nos jornais e muito prestígio na sociedade. Hoje sou
muito elogiado, abraçado, mas nada disso se traduz em apoio prático para a
causa humanitária e até para meus projetos pessoais.
Como não sou um santo e
tampouco um anjo, minha frágil condição foi degradando e acabou minando a até
então impetuosa e imbatível força de vontade. Hoje faço as campanhas com certa
vergonha, estou cansado de pedir. Hoje quando me deparo com a necessidade de ir
buscar nos órgãos públicos as certidões e as providências para o continuar da
Casa do Bem, um desânimo encarna e se pudesse eu desapareceria. Estou exausto.
Confesso que já não
tenho tanta disposição para correr atrás de nada. Sinto-me impotente. Não
acredito mais nas campanhas, reuniões e muitas promessas continuam chegando, a
grande maioria não dando em nada. Estou desesperançado. Não tenho mais forças
para enfrentar a burocracia. Não tenho mais vontade de engolir um monte de
coisas calado e precisar ter paciência diante de incompetências, ingratidões e
acusações vagas e injustas.
Ao mesmo tempo em que
fui ficando inválido para continuar servindo ao nível de dirigente principal de
uma organização sem dinheiro e cheia de projetos beneméritos, foi crescendo
dentro do meu ser o amor pelos filhos e pela família. Sempre fui louco por meus
pais e dediquei à Casa do Bem a meu amado pai Fernando Rezende e um condomínio
que tenho a minha mãe e outro a minha esposa, filhos e irmãos. Com a morte de
papai creio ter morrido boa parte de meu entusiasmo também.
Creio que hoje meu
grande projeto é cuidar de minha mãe enferma, encaminhar meus filhos
adolescentes na vida, estar mais presente no cotidiano de minha pequena Mel e de
minha esposa Deinha, além de estudar um pouco mais, o que estou fazendo num
mestrado e pensando num doutorado futuro.
Diante de tudo aqui
revelado, anuncio que estou conversando com pessoas que podem assumir o comando
da Casa do Bem e a mesma continuar por todo o sempre. Fundei e dirigi por
muitos anos. É chegado o momento de passar o bastão. Novos idealistas do bem
com prestígio, boa vontade e muita disposição precisam assumir o comando.
A Casa do Bem é muito
jovem. Certamente na sequência ela vai ser uma organização profissional,
prestando relevantes serviços à sociedade e lá do outro plano poderei
acompanhar sua trajetória na seara do bem. Fico torcendo para que ela possa ter
esse destino.
Agradeço a todos que
colaboraram e que colaboram. Esta passada do bastão não tem data, mas está
madura dentro do meu ser a decisão de mudar o foco de minha vida. Deverei
continuar ajudando e até fazendo parte da diretoria, mas não tenho condições de
ser o timoneiro, estou realmente sem energia para isso, perdão.
Apelo a todos que
continuem ajudando a Casa do Bem, ela é importante e realiza muitas ações
humanitárias maravilhosas. A decisão é no sentido de fortalecer, não de acabar
e, para que isto seja possível, precisamos desta força. Quando um dia as coisas
estiverem todas devidamente amarradas, anunciarei os novos rumos e, desde já,
muita luz para todos nós.
*É escritor, jornalista e ativista social em
Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)
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