Francisco
Nizan Guanaes*
Que coisa mágica é a vida. Estava eu chegando a
Buenos Aires na semana passada para uma reunião de trabalho e jamais poderia
imaginar que estivesse ali naquele dia para presenciar a mão do Espírito Santo
e da história.
Saí do Aeroparque, o belo aeroporto ribeirinho da
capital argentina, e fui até o meu hotel trocar de roupa antes de minha
reunião. Liguei a televisão e, para a minha surpresa, o papa já havia sido
escolhido.
Durante a próxima hora, eu e o mundo esperamos para
ver que novo papa a fumaça branca nos traria. E eis que ele chegou.
Surpreendente como a vida. Um argentino. E eu em Buenos Aires.
Começava ali uma aula de comunicação para o mundo
que resume e mostra de maneira instintiva tudo o que os teóricos enchem a
paciência e perdem um tempo enorme para explicar: a comunicação de 360 graus.
O cardeal Jorge Mario Bergoglio mostrou sem
PowerPoint nem lero-lero como uma palavra pode mudar tudo, como um nome pode
ser capaz de transmitir para o mundo todo uma mensagem tão poderosa e precisa.
A palavra é Francisco.
Francisco é uma palavra rica de significados num
mundo pobre de significado.
Francisco quer dizer coma moderadamente num mundo
obeso. Francisco quer dizer beba com alegria num mundo que enfia a cara no
poste. Francisco quer dizer consumo responsável em sociedades de governos e
consumidores endividados. Francisco quer dizer o uso responsável do irmão ar,
do irmão mar, do irmão vento e de todas as riquezas debaixo do irmão Sol e da
irmã Lua.
Francisco é um freio de arrumação não só na Igreja
Católica Apostólica Romana, mas na sociedade a quem ela deve guiar. Em 24
horas, Bergoglio pegou uma instituição que estava emparedada e a tirou da
parede, transportou-a dos intramuros do Vaticano para o meio da rua, para o
meio do rebanho.
Comunicar é o papel da igreja. Para isso, foram
escritos o Velho Testamento e o Novo Testamento, e Jesus não deixa dúvida
quando disse aos apóstolos: "Ide e anunciai o Evangelho". Ide, ao
contrário do que faz a gorda Cúria Romana, quer dizer ir, não quer dizer ficar
em Roma. Quer dizer ir e anunciar.
E anunciar hoje é muito mais do que o comercial de
30 segundos. Anunciar hoje é usar todas as ferramentas disponíveis, todos os
pontos de contato com seu público. Papa Francisco sabe disso muito bem.
Tanto sabe que muito antes de se apresentar ao mundo
na sacada do Vaticano baixou um Steve Jobs nele, e, quando o monsenhor veio lhe
oferecer uma veste toda rebuscada, Francisco Jobs retrucou: Se o senhor quiser,
pode vesti-la, monsenhor, eu, não. O carnaval acabou.
É digno de reparo que Francisco não fez pesquisas
nem testes antes de criar tudo isso. Não precisava. Foi buscar sua mensagem no
DNA da igreja. E está escrevendo certo por linhas tortas.
Mesmo as coisas conservadoras que têm dito, coisas
com as quais eu pessoalmente não concordo, são muito relevantes. A igreja não
pode querer agradar a todo mundo. Ela tem que marcar territórios e significar
coisas, e, ao fazê-lo, naturalmente exclui almas de seu rebanho.
Marca, design, conduta, relações públicas,
endomarketing, alinhamento interno: "habemus papam".
Francisco se utilizou de todos os recursos do
marketing para passar sua mensagem rapidamente, com alto impacto e precisão,
para o público interno e para o público externo.
Parece até que o 3G Capital assumiu o comando da
igreja. Choque de gestão, orçamento base zero, alinhamento com a cultura
perdida, volta às raízes, fé no trabalho, administração franciscana e
disciplina de jesuíta de santo Inácio e professor Falconi.
Paradoxalmente, Francisco hoje acredita numa gestão
mais parecida com Lutero do que com a tradição romana. Mas a igreja só teve que
se enfrentar com Lutero porque ao longo do tempo se esqueceu da palavra
Francisco.
*Nizan
Guanaes publicitário baiano, é dono do maior grupo publicitário do país, o ABC.
Escreve às terças-feiras, a cada duas semanas, no caderno Mercado.
-
Com post
da página do jornalista Luiz Gonzaga Cortez
Nenhum comentário:
Postar um comentário