Jacintha
e a poeira
Carlos Magno Araújo*
Jornalista
▶ carlosmagno@novojornal.jor.br
Sobre o quê não estaríamos falando agora, nós, os
coleguinhas, se, em vez de amarrar o próprio pescoço e puxar a corda, a
enfermeira vítima do trote de uma rádio em Londres tomasse decisão diferente?
Se, no lugar de se enforcar, ela fosse até a rádio e
disparasse murros ou tiros contra os apresentadores engraçadinhos estaríamos
até agora denunciando os ataques à liberdade de imprensa ou a violência
incessante contra o trabalho da mídia.
A família da enfermeira vítima do trote – quando os
apresentadores se zeram passar pela
rainha e pediram mais informações sobre o estado de saúde da princesa Kate –
disse, os filhos chorando durante o sepultamento, que ela fará muita falta, do
que não se duvida. Jacintha Saldanha, 46 aanos, não resistiu à humilhação do
trote e se matou.
Por que passado já algum tempo, início de dezembro
passado, trata-se ainda agora do tema? O assunto só foi focado na imprensa
brasileira pelos jornalões e em reportagens pontuais na televisão. Ou em algums
sites especializados em mídia.
Parece que a ninguém interessa aprofundar o tema e
verifi car se esse tipo de piada sem gosto é usada no Brasil.
É sim, useira e vezeiramente, em programas de humor
no rádio e na televisão. A maioria deles só tem graça para ouvintes e
espectadores incapazes de medir o alcance de uma brincadeira dessa e sem noção
dos riscos que pode causar.
Parece inocente pegar o telefone, ligar para alguém,
se fazer passar por outro, soltar uma piadinha e ainda humilhar. Na letra da
lei, talvez seja crime. E deveria ser tratado como tal, não como espetáculo de
humor, com inúmeros patrocinadores e com gente descolada, colorida e esperta.
O mau gosto disso tudo só se assemelha à sugestão
radical aí de cima – a de a enfermeira vítima revidar invadindo a rádio e
eliminando os engraçadinhos.
É fácil lembrar que caso tal pode servir de lição,
que bem deveria ser tomado como exemplo para que não ocorra entre os nossos. É
comoção que não dura uma semana. Logo a máquina precisa andar, os negócios
atingirem as metas, a audiência bater os concorrentes e tudo volta ao normal,
no
estilo vale tudo.
Chatice assim pode ser melancolia de início de ano
ou tédio, cansaço com as mesmices. Mas há episódios que nos dizem respeito, e
muito, e a gente, como é mais cômodo, prefere levantar discretamente o tapete e
jogar a poeira para lá.
*Texto publicado
na coluna do jornalista no NOVO JORNAL
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