--- Walter Medeiros*
A têmpera revolucionária de Glênio fazia-o buscar
incessantemente a reimplantação do Partido na região, através dos contatos
possíveis. Noites, madrugadas e dias afora ele tentava reconstituir os
documentos, entre eles os Estatutos, ao mesmo tempo em que procurava participar
dos raros eventos democráticos que eram programados. Corajosamente, fundou,
juntamente com outros militantes políticos, no início de 1980, no bairro de
Igapó, uma Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH.
A SDDH foi a forma encontrada para aglutinar as
pessoas e organizar as reivindicações populares, que eram muitas. Mesmo
localizada em Igapó, a entidade tinha um trabalho abrangente e seus
representantes tornavam-se propagadores das idéias libertárias que tomavam
corpo a cada dia. Além do que se tratava de uma associação criada e registrada
dentro de todas as exigências da legislação civil.
Tratava-se de uma entidade democrática e
comprometida com a luta dos setores populares, que reunia um grupo considerável
de pessoas e discutia os assuntos políticos do momento. A primeira grande luta
da sociedade foi contra a poluição provocada por uma fábrica de diatomita –
Diafil - que afetava os moradores do bairro. Manifestações, atos e ações de
protesto contavam com a participação de operários, donas de casa, clubes de
mães e de jovens, estudantes e profissionais liberais.
Daquele movimento surgiu a necessidade de reproduzir
documentos, algo proibitivo à época; as gráficas eram ambientes muito visados
pela repressão. Optaram, então, por fazer um jornalzinho mimeografado, num
mimeógrafo a álcool que adquiriram disfarçadamente na Loja Sosic e que era
capaz de fazer 50 cópias, em tinta azul, datilografando folhas de stêncil.
Havia uma movimentação revolucionária, onde as
exigências por democracia aumentavam e o povo clamava por uma Constituinte que
substituísse o autoritarismo da Emenda Constitucional Nº 1, chamada de
Constituição de 1967. Era conseqüência da experiência dos anti-candidatos
Ulisses Guimarães e Barbosa Lima Sobrinho, para Presidente e Vice-Presidente da
República e outros momentos de luta nos meios partidários e estudantis, uma vez
que os sindicatos quase não participavam de atividades que entrassem em
confronto com a ditadura.
Algum contato feito pelos partidos clandestinos eram
avaliados muito cuidadosamente, pois podiam tratar-se de ciladas da repressão.
Tempo em que até as informações tinham que ser decoradas e não anotadas, para
não deixar pistas. Um dos amigos comentava sobre a dificuldade que teve para
transmitir uma mensagem a um dos seus camaradas, um endereço em Paris, que
decorou completamente. E o camarada que recebeu a informação também decorou.
Ninguém podia se arriscar.
Depois de retomado o contato com o Partido, periodicamente
recebiam a visita de membros do Comitê Central, que traziam documentos e
informações, além de realizar reuniões completas para atualizar a todos. Eram
antigos camaradas, que traziam grandes experiências da luta revolucionária e
novos militantes, que estavam exercendo funções importantes na política
nacional ou regional. As reuniões eram sempre um período de total tensão. O
aparelho tinha que ser mantido na mais perfeita camuflagem e o sigilo sobre a
presença do representante nacional era total. Nada podia ser revelado nem mesmo
aos familiares que não estivessem envolvidos com o Partido, pois tratava-se de
questão de vida ou morte.
*Jornalista
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