por Albimar Furtado*
Jornalista
▶ albimar@superig.com.br
A agenda cobrava uma reunião na sede da Assembléia
Legislativa, às 10 horas. A caminho, passava em frente a Igreja do Galo e ali
perto, o estacionamento. O relógio
indicava que me apressara, tendo ainda
um crédito de 40 minutos. Olhei a Igreja, pensei na Quaresma, tempo de
recomeço, de lembrar que antes do céu,
há a cruz. Decidi entrar no templo e beber um pouco da fé dos simples que
entram e saem, num revezamento que preenche o dia inteiro.
Sentei num dos últimos bancos e além de mim, tinham
mais três pessoas. Lá na frente, no primeiro banco, o homem de camisa de botões
manuseava um terço. No banco ao lado do meu, a mulher de vestes simples, mexia
os lábios em oração e passava as mãos nos cabelos de corte rente a nuca. Dois
bancos atrás outra mulher, também em vestimentas simples, surradas até,
alternava momentos de louvores silenciosos e em voz alta. Imaginei ser uma
pedinte, como costumeiramente aparece ali.
Instante seguinte, outra personagem se junta ao
grupo. Agora, alguém mais produzido, uma mulher bem maquiada, cabelos arrumados
em salão de beleza, roupa de corte elegante. Repete o que outros fizeram antes:
ajoelha-se, faz o sinal da cruz, reza em silêncio. Estava na cara a diferença
social. Mas ali, ninguém reparava em ninguém, exceção do repórter que chegara
antes, já fizera suas orações e saciava a curiosidade natural de seu labor. Lá,
não era lugar de futricas.
O silêncio dominava os quatro cantos do grande
salão, impregnados de fé. Dois, dos que ali estavam deixam a igreja e quase no
mesmo instante outro homem chega para se acomodar em um de seus bancos. Camisa
básica, bermuda, em sinal de respeito descobre a cabeça, retirando o boné. Não
parece concentrado, ora tem o olhar fixado no altar à sua frente, ora repara no
barulho que vem da rua. Impaciente, não demora.
Na porta principal cruza com outro homem de fina
estampa. Camisa social bem passada, calça jeans de boa lavagem, cabelo
cuidadosamente penteado, cobrindo parcialmente a calvície. Genuflexo, faz o
sinal da Cruz, senta no banco próximo, deixa as mãos postas repousando sobre o
espaldar do banco da frente. Outros chegam.
A moça ainda jovem, loura, realçando o bolero branco
na blusa vermelha, não descansa os joelhos dobrados e pousados no chão de pedra
polida; a moça vestindo preto, tendo à mão o capacete denunciador de que
pilotara uma moto. O vento canalizado pela rua Heitor Carrilho desembocando na
rua Santo Antônio, em frente a Igreja, espanta o calor da manhã de sol forte.
Durante 40 minutos vi fiéis, contritos, em oração.
Ví o homem que entrou decidido, beijou o altar coberto pelo roxo, cor da penitência
e da Quaresma, e postou-se, de joelhos, entre a mesa e o altar-mor, ornado
pelas imagens de Santo Antônio, de Jesus Crucificado e do Sacrário. Demorou-se
ali.
Chegara a hora da reunião de minha agenda. Ao lado,
a moça de preto sossegava o cotovelo no capacete e deixava o rosto repousar
sobre a mão espalmada. Parecia em profunda meditação. Procurei ser leve, na
saída, para não roubar dela a concentração em que se achava. Passei pela mulher
que por vezes rezava alto e que imaginei ser pedinte. Não era. Já chegara à
calçada quando percebi o julgamento apressado que fiz. Imaginei o quanto somos
levados a julgar os outros, indevidamente, o quanto somos impregnados de
preconceitos. Voltei para me penitenciar. Saí mais leve, bebi da fé. Não sei se
serei capaz de retê-la. Tenho ainda uma quaresma quase inteira para pensar nas
coisas da alma.
*Texto publicado na
coluna do jornalista no Novo Jornal com post no blog do matutino
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