Jomar Morais
Jornalista ▶ jomar.morais@supercabo.com.br
Não costumo visitar cemitérios. Nem mesmo no Dia de Finados.
Minha relação com os mortos, apoiada na crença na manifestação contínua da vida
sob a variedade das formas, sugere-me que o túmulo não é o lugar ideal para nos
religarmos aos que partiram. Ainda assim, reconheço o poder do símbolo e em
situações especiais acabo visitando tumbas, geralmente em viagem. Aí prefiro
estar sozinho para meditar sobre a finitude de nossas vaidades.
Foi assim quando desci às grutas do Vaticano em 1982 – época em
que ainda se podia percorrê-las até o nível mais baixo – às 8h da manhã, antes
da chegada dos turistas e em silenciosa soledade. E também quando fui ao famoso
cemitério do Père Lachaise, em Paris, onde estão sepultadas figuras como
Balzac, Oscar Wilde, Proust, Chopin, Allan Kardec e Édith Piaf.
Estive ainda em cemitérios menos cotados e deles sempre retornei
com um saldo de reflexões e epifanias que influenciam a minha vida. Mas nada se
compara à experiência por que passei na última quinta-feira no cemitério São
João Batista, em Uberaba, MG.
Diante do túmulo de Chico Xavier, sob chuva e num cenário
desértico, eu lembrava da única vez em que estivera com o médium, em 1973, e de
como um simples abraço seu, seguido de um “Deus o abençoe”, fizera-me entender
a força milagrosa do amor, quando, de súbito, surgiu à minha frente um jovem de
aparência estranha, um jeitão de bicho louco chapado que, olhando em minha
direção, começou a sacar algo de uma velha mochila. Imaginei tratar-se uma arma
e, por impulso, interrompi a minha oração, protegendo-me junto à parede do
túmulo vizinho. A consciência, no entanto, advertiu-me: “Faz com ele o que o
Chico fez contigo”.
Retornei a tempo de ver o rapaz guardando na mochila um simples
maço de cigarro e de perceber naquele olhar excêntrico um traço de resignada
tristeza. Iniciei uma breve conversação. “Sou espírita”, disse-me o moço.
“Estou aqui para rogar ao Chico que me ajude a receber uma mensagem de minha
mãe. Ela morreu e eu me sinto só”. Abençoei-o com carinho de pai e despedi-me.
Então, enquanto caminhava de volta pela alameda molhada, a ficha
caiu e vi-me nu em minha prisão de egoísmo e medo. Como pude negar a um ser
humano angustiado a cortesia gratuita de um olhar e de uma palavra gentil,
apenas motivado por preconceitos e avareza?
A clareza do insight foi seguida de forte emoção. Como uma
criança, chorei descontrolado, em princípio sob o peso da culpa, depois pela
alegria da dádiva. Pela segunda em minha vida, Chico Xavier iluminara-me o
espírito, não através de um fenômeno retumbante, mas por meio da força suave e
demolidora de um pequeno gesto de compaixão.
- Texto publicado
na coluna Plural do Novo Jornal e no Portal do autor
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