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domingo, 28 de maio de 2017

Memória: Joaquim Lucas da Costa, do teatro da vida para a escola

JOAQUIM LUCAS DA COSTA, DO TEATRO DA VIDA PARA A ESCOLA

Por Carlos Frederico de O. L. da Câmara*
[carlosastral@hotmail.com]

          O comerciante e jornalista, Joaquim Lucas da Costa (1886/1925), poderia ter sido mais um desses profissionais dessa atividade a ter sido despachado do cenário da vida intelectual de Natal, principalmente nos primeiros anos do século XX e meados da década de 20, inglòriamente, sem deixar marcado o rastro da sua presença. Mas, graças ao seu talento artístico, terminou ganhando uma fatia de glória póstuma porque as suas atividades extra-comerciais, o jornalismo, o teatro, a crônica e a poesia, garantiram sua redenção pós-morte.
       E sua história até ganharia outra dimensão lítero-humanistica, caso não estivesse sido atropelado, prematuramente, pela implacabilidade que abrevia a nossa trajetória existencial. J. Lucas, como se assinava nas transações comerciais, anunciou no jornal “ARepública”, “A Imprensa”, “Gazeta doComércio” e “A Capital”, sobre sua empresa “Armazém de Cereais,Consignações, Comissões e Conta Própria”, desde (1908/1924); J. Lucas vende redes do Ceará, por preços vantajosos. Representante da fábrica Iracema de Mello e Nogueira. Mantém depósito de madeiras do Pará – de todas as qualidades. Vende por preços reduzidos. Rua Aureliano Medeiros, n.º11; outro anúncio: J. Lucas vende baleeira nova, por preço baratíssimo, para o serviço de porto.  Mais outro: J. Lucas tem para vender, pelos preços antigos.
     Sacaria de estopa para açúcar em 60 e 75 quilos. Em uma nota da empresa Tração, Força e Luz Elétrica de Natal, referente á taxa de cobrança de luz (como aviso aos contribuintes da Ribeira), em (1917), no jornal “A República”, a respeito de um prédio, na rua desembargador Joaquim Ferreira Chaves. J. Lucas também possuiu terrenos na antiga Rua do Comércio (hoje Rua Chile), no bairro da Ribeira. Também assinando como Joaquim Lucas, o combativo articulista do jornal “A Imprensa”,(1917) e do “Jornal daNoite” (1925), órgão independente e noticioso, consagrado aos interesses do povo. Também publicou poemas, caso do poema “Revés da Sorte”, saído no jornal “A Capital”, edição de 17 de janeiro de (1909); ou ainda Lucas Costa, dos poemas publicados no jornal “ARepública” e do seu único livro DISFARÇADOS...1924, com edição do livreiro Fortunato Aranha. Capa e desenhos, graças à gentileza do inteligente artista piauiense Mário de Carvalho que, presentemente nesta Capital, de boa vontade ilustrou com belos quadros o simples trabalho que apresentamos. Quando um articulista do jornal“A República”, escreveu na edição de 24 de outubro de (1924), sobre o fato de o autor além de ter se dedicado a atividade comercial, “mesmo assim se revelou um espírito esforçado e inteligente ao abordar assuntos literários”.
      Colaborou ainda, na condição de redator, em “O Teatro”, nos números um e dois (26 de fevereiro de1916 e três de maio de 1918). Desse grupo faziam parte Félix Fidélis (pseudônimo de Jorge Fernandes), Riachão, Lívia Maggioly, Deolindo Lima, João Estevão e Cora Maggioly. Revista do Órgão do “O Ginásio Dramático”, publicação indeterminada. Não tivemos acesso a essa revista. Joaquim Lucas escreveu um original e bem elaborado mini-conto intitulado, “OOURO...”, publicado em 1917 na revista Rapa-Coco, para as festas sanjuanêscas.
       Joaquim Lucas da Costa, participou como contra-regra, conforme se lê no jornal “O Parafuso” de 17 de dezembro de 1916. O “GinásioDramático”, Instituição de amadores organizada em Natal em 1914, funcionou toda a sua vida no Teatro Carlos Gomes, (hoje Teatro Alberto Maranhão), por gentileza dos governadores que independente de qualquer contrato e mediante insignificante caução, ofereciam o teatro do Estado para os ensaios e representações da referida sociedade. O proveitoso grêmio natalense, posto que não contasse com nenhuma subvenção pública, e fosse até visto com certo indiferentismo por parte de alguns conterrâneos refratários, se manteve por muitos anos com os seus próprios recursos, impondo-se também a elevada consideração, já pelos seus proveitosos fins, já pela grande harmonia de vistas existente entre os seus associados.
      De admirar era também, que “O Ginásio Dramático” sendo uma sociedade tão bem unificada, não dispusesse de leis para o seu regimento interno. Os seus estatutos não passavam de meras decisões da diretoria em exercício, que sempre agia tendo em vista o desdobramento do valioso núcleo de amadores. Os sócios componentes do Ginásio dividiam-se em três classes tendo cada uma, funções distintas. Havia uma classe de sócios protetores que nos momentos precisos auxiliava pecuniariamente o grêmio: a segunda que era o corpo de amadores, representava por assim dizer, a vida ativa da sociedade: a terceira, de maior responsabilidade, era constituída pelos conterrâneos que tomavam o compromisso da elaboração literária.
     As peças levadas à cena pelos inteligentes amadores do Ginásio eram, em sua maioria, da criação dos patrícios associados, que as escreviam, adaptando à genérica intuição dos amadores. Desta arte, foi que a brilhante sociedade de que ora nos ocupamos, ofereceu em Natal momentos de verdadeiro encanto aos espíritos da sociedade natalense que souberam receber as maravilhosas emoções da arte imitativa. Este grêmio marcou época na vida da cidade, com muitas revistas, vaudevilles, comédias, burlêtas e dramas, escritas pelo pessoal de casa e montadas no “TeatroCarlosGomes”, pelos moços ginasianos.
    Foram também magnificamente representadas por estes, peças de consagrados escritores nacionais, cujo desempenho, causa viva surpresa aos legítimos conhecedores da arte. “O Ginásio Dramático”, que nos seus últimos anos se achava bem pujante e conceituado.                    Contava, como seus elementos constitutivos, os seguintes cavalheiros: drs. Sebastião Fernandes, Luiz Potiguar, major José Pinto, prof. Ivo Filho, major Ezequiel, tenentes Deolindo Lima e Aristóteles Costa, Virgilio Trindade, Amaro Andrade, Sandoval Wanderley, Joaquim Lucas, Abelardo Bezerra (1) Cícero Vieira, Jayme Wanderley, Fábio Zambrotti, Mario Mendes, Carlos Siqueira, João Estevam, José Callafange, José Callazans, Pretextato Bezerra, Pedro Odilon e João Leite. O GinásioDramático,viajou pelas cidades mais próximas da capital, como: Macaíba, Ceará-Mirim, Canguaretama.
      Dentro da sua produção cultural, Joaquim Lucas destaca-se com o texto O Homem, publicado no jornal A Imprensa, setembro de (1917), aborda, filosòficamente, nossa espécie, com observações dessa profundidade, nas quais se observa, na escrita, uma espécie de transe mediúnico, (registre-se: Lucas da Costa era um dos espiritualistas da cidade): “Homem, não te envaideças tanto! Há em tua alma, cores que deslumbram, mas estas não são mais que as iriações dos páramos, o brilho fictício dos fulgores ou as variedades caleidoscópias. Tu és apenas um instrumento transmissor das maravilhas de todos os tempos, sabes? O panteísmo é a verdadeira ciência; somente Deus é grande...”
Seu envolvimento com a Maçonaria é um capítulo especial e importante na sua vida, ele dedicou quinze anos à loja maçônica “FILHOS DA FÉOR DE NATAL DE NATAL”. Destacando-se como brilhante orador, além de exercer os cargos de secretário e 1º vigilante. Grau (18). Fez parte também como orador da SOCIEDADE IRMANDADE DOS PASSOS e da SOCIEDADE GARANTIA DO POVO.
Marcando sua presença na vida política da capital Natal, Joaquim Lucas da Costa se registrou entre os (100) nomes de uma lista de candidatos a deputados e suplentes, para a renovação da 2ª turma a esta zona. Pelo edital da JuntaComercialdeNatal, foram convidados, naquela ocasião, os comerciantes-eleitores, em 26 de dezembro de (1923), publicado no jornal “A República”.
       O respeitado poeta e crítico literário Anchieta Fernandes traduziu e resumiu a importância de Joaquim Lucas Costa no ofício lítero-jornalístico: “Um genial praticante da ironia e do humorismo desvelador das máscaras sociais. Pioneiro na documentação da vida cultural de Natal”. Mais: “Temos em Lucas da Costa, no livro DISFARÇADOS...1924,a prova de quanto o bom escritor pode ultrapassar a sua época, na verdade criativa, que sabe usar para captar situações e comportamentos humanos”. O ilustre jornalista e grande escritor premiado Franklin Jorge, afirma em seu texto publicado no jornal cultural O Rio Grande, “LUCAS DA COSTA, CRONISTA POLÍTICO QUE NATAL ESQUECEU”; partidário do Capitão José da Penha, adversário do sistema Maranhão, Lucas da Costa utiliza recursos da ficção para decompor os bastidores da política e o caráter dos personagens que estão no comando da ação ou encarnam o papel de satélites dos poderosos de plantão. Observa; “o jornalismo incendiava a opinião pública no Rio Grande do Norte e o Governador Alberto Maranhão contratou jornalistas pernambucanos para defenderem os seus interesses contra o avanço do adversário, antenado com a insatisfação popular.
     Dotado de uma cultura que o distinguia dos seus colegas de redação, Lucas da Costa viu na multiplicação dos jornais, uma forma de corrupção aos interesses políticos antidemocráticos. A prova disto: a nomeação do jornalista pernambucano Oscar Brandão, para a função de delegado de polícia”.
           Retratando o cotidiano, as vicissitudes, os desmandos políticos oligárquicos do seu tempo, Lucas da Costa pormenorizou e reconstituiu um amplo e rico painel da vida e da sociedade natalense. Essa crítica social dos costumes de Natal foi enriquecida, especialmente quando, em um dos capítulos de DISFARÇADOS...1924, o escritor abordou a célebre e quase sangrenta campanha política da sucessão governamental em (1913), que desassossegou o Estado, com os inflamados discursos “salvacionistas” do capitão José da Penha: “... Muita gente já tinha uma espécie de fanatismo pelo capitão Penha, e quase diariamente chegava gente do interior à capital para vê-lo e ouvi-lo falar desassombradamente sobre os desmandos políticos da terra, bradando contra o continuísmo da oligarquia Maranhão, representada pela candidatura vitoriosa do desembargador Joaquim FerreiraChaves, que voltava ao governo do Rio Grande do Norte, agora com um gigante mandato de sete anos.
        Lucas da Costa despediu-se da vida, quando já gozava da popularidade alcançada com seu livro, comenta o jornalista Carlos Morais”. DISFARÇADOS... editado em outubro de(1924), bem vendido nas duas principais vitrines de venda de livros da cidade, a livraria Cosmopolita,  do livreiro e editor Fortunato Aranha e  agência Pernambucana do livreiro Luís Romão, ambos situados na avenida Dr. Augusto Tavares de Lyra, na pitoresca Ribeira. Bairro, aliás, que Lucas da Costa amava, e viveu boa parte das suas horas, no comércio, no jornalismo, no teatro e na condição de morador. No prefácio do livro NATAL DO MEU TEMPO,Crônica da Cidadedo Natal, de João Amorim Guimarães, na 2ª edição (1999), com organização, introdução e notas do Dr. e professor do Departamento de Letras da (UFRN), Humberto Hermenegildo de Araújo. Ele faz este comentário: “É necessário observar, no entanto, que NATAL DO MEU TEMPO, não é uma manifestação isolada de documentação da vida cultural da cidade do Natal. No gênero, destacam-se os títulos HISTÓRIAS QUE O TEMPO LEVA... (1924, Luís da Câmara Cascudo) e DISFARÇADOS..., 1924 (Joaquim Lucas da Costa), ambos publicados na década de 20. Após estes dois trabalhos pioneiros, muitas crônicas sobre o processo de modernização da cidade, foram publicados na imprensa natalense, assunto em torno do qual relacionam todos os outros”.
            Este livro, portanto, reeditado após 73 anos, com o apoio do venerando Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Nortee da Fundação Cultural “PadreJoão Maria”. DISFARÇADOS...1924, é ao mesmo tempo uma obra de referência e um delicioso painel dos costumes políticos e sociais de uma Natal dorminhoquenta e provinciana, transformada em presa da oligarquia constituída ao longo da luta pela extinção da escravidão e proclamação da República que desde o seu nascimento mostrou-se uma boa mãe para aqueles que detém o poder em nome do povo, deve ser lido e comentado pelos seus enfoques diversos, livre das exigências gramaticais, cujo fato, porém, não ofusca, jamais, os méritos do autor.
           E foi no bairro da Ribeira, na Rua Gen. Glicério, por trás da Igreja do Bom Jesus das Dores, que o prestimoso cavalheiro, Sr. Joaquim Lucas da Costa, se despedia da vida, às 6 horas da manhã de sábado, proveniente de uma úlcera perfurante no estômago, em 25 de julho de 1925, com 39 anos de idade. A sua vida e sua importante trajetória existencial foram analisadas e avaliadas, lhe garantindo um retrato fiel do seu comprovado e reconhecido valor. O comerciante, escritor e jornalista Joaquim Lucas da Costa consorciou-se com a Sra. Maria Pereira da Costa e desta união constituíram três filhos: Giordano Lucas da Costa, Renato Lucas da Costa e Dinorá Lucas da Costa.
*Com post na página do Jornal Zona Sul
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