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sábado, 5 de setembro de 2015

Gargalheira, referência de vida

Por Albimar Furtado*
Jornalista albimar@superig.com.br

Vi o espetáculo da cheia, da sangria, da alegria, o desfilar de uma população inteira a caminho da barragem para ver a água se espraiar até não caber mais em sua reserva e despencar em queda livre, depois de vencer a parede exuberante, e seguir seu caminho pelo chão do Seridó. Fui testemunha deste espetáculo de felicidade de sertanejos em volta do Gargalheira, nas serras do Acari. A natureza fez um corte nesse cenário e hoje a história é outra. Na seca emergem rostos reveladores de incertezas. Restou a fé. Fernando Antônio Bezerra que conhece os caminhos e a história do Seridó mostra, em texto que publicamos neste espaço, a imagem forte e triste de “...ver o Gargalheira com suas entranhas expostas” e o drama que isto representa para uma população dependente da velha barragem.

Saudação ao Gargalheira

A seca vai levando quase tudo... As povoações do Seridó que se estabeleceram em torno da água e da fé, vão ficando somente com a esperança, fincada na crença, que a misericórdia de Deus é maior que a justiça.

Nos últimos dias a mídia vem apresentando o fim das águas do Gargalheira, um martírio assistido por muitos e de tristeza contagiante. Na terra do Acari, onde está chantada a raiz de milhares de seridoenses, o colosso Gargalheira proporciona, em anos de inverno, a mais bonita cena de transbordamento da generosidade das águas. O que um dia foi abundante e transbordou, falta para salvar os peixes, acalentar a fauna, respingar na flora e alimentar a vida do homem. Faz muita falta a todos nós a água que falta ao Gargalheira!

O Açude inicialmente denominado Gargalheira – assim escrito nos primeiros relatórios do Governo Federal e também assim como o Mestre Paulo Balá a ele se refere em “Cartas dos Sertões do Seridó” - foi uma das respostas às grandes secas do final do século XIX e início do século XX. As autoridades com algumas importantes obras e alguns invernos encarrilhados, ao que parece, perderam o ímpeto do século passado quando se debruçavam com maior interesse pelos assuntos do sertão. Sem querer aprofundar a querela, vamos aceitar que eles se entreteram com outros assuntos e não avaliaram bem o aumento da população, as mudanças de costumes e as inquietações da natureza.

Aliás, acho que também nós que somos e vivemos no Seridó, de alguma forma, devemos nos incluir nesse rol, aceitar que “engolimos mosca” e assumirmos novas responsabilidades com alternativas viáveis de convivência com a estiagem e de defesa do meio ambiente. Muito mais podemos fazer e cobrar! “Um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus”, sentencia o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla.

Por oportuno, Adriano Wagner da Silva, discorrendo sobre “Engenharia nos sertões nordestinos: o Gargalheiras, a Barragem Marechal Dutra e a comunidade de Acari, 1909-1958” para o Programa de Pós-Graduação em História da UFRN sustenta que o planejamento do passado ia além da construção de açudes: “Após as secas de 1877, Comissões científicas, em especial a Comissão de Açudes e Irrigação (1907), penetrariam o Seridó passando a fazer estudos sobre a fauna e a  flora, o solo, a hidrografia, índice pluviométrico, o clima, entre outros elementos, de forma semelhante ao que era feito em outras áreas no Nordeste. (...) Os engenheiros da Inspetoria logo adentraram o sertão potiguar a estudá-lo, projetar e edificar obras que transformariam a realidade geográfica e social local. Dentro do conjunto de políticas de implantação de obras públicas federais dar-se-ia ênfase na construção de açudes (públicos e privados), canais de irrigação, de barragens e de estradas (de ferro, rodagem e carroçáveis).”

Sobre o Gargalheira, mencionando uma pesquisa da Professora Hilda Frassinete, o imortal acariense Jesus de Rita de Miúdo, pesquisou e publicou uma síntese da história do Açude onde lembra que toda caminhada somente começa com o primeiro passo: “Atendendo aos acarienses, Silvino Bezerra de Araújo Galvão, Cypriano Bezerra Galvão Santa Rosa, Joaquim Servita Pereira de Brito, Antônio Basílio de Araújo, Padre Francisco Coelho de Albuquerque, entre outros, foram feitos os primeiros estudos da construção da barragem e também a primeira planta topográfica do Gargalheiras”. A iniciativa foi em 1909. Entre idas e vindas, com a destacada atuação de muitos, dentre as quais, os potiguares José Gonçalves Pires de Medeiros e Café Filho, somente em 29 de outubro de 1956 foi iniciada a concretagem da parede. “Em 29 de outubro de 1958 é dada concluída. Neste dia a Prefeitura de Acari, ofereceu um grande almoço aos empregados da obra. Em 27 de abril de 1959 é realizada a Festa Oficial de Encerramento, exatamente 50 anos depois de feita a 1ª Planta Topográfica do Açude.”

Acari tem no Açude Gargalheira, posteriormente denominado Marechal Dutra, um marco divisor de suas águas e de sua própria história. Um poema, de concreto, emoldurado pela natureza.

Não é fácil para o sertanejo encontrar o Gargalheira com suas entranhas expostas. Ele é mais que um simples açude. Ele é uma referência de vida e beleza. – Que a cena, antes inimaginável da morte de suas águas, seja apenas prenúncio de uma breve dormitação e que logo nova vida o abasteça. A ele e a todos nós!

*Texto publicado na coluna do jornalista no Novo Jornal
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