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domingo, 2 de agosto de 2015

O beijo na santa, a fé em Sant’Ana

Por João Bosco de Araújo*
Jornalista boscoaraujo@assessorn.com  

Foto pesquisa Google/divulgação
Sentada em seu trono, lá está Senhora doce e clemente Sant’Ana, mãe da graça e do perdão. Aos seus pés, lá estava meu pai, Pedro Salviano de Araújo, a beijar a Santa naquele domingo à tarde, último dia da festa e hora da procissão. O interior da igreja lotado de peregrinos e devotos aguardando enquanto não chegava o momento da imagem sair em procissão. 

Todos os anos, o beijo na santa, a urna no chão, a mão no bolso, a quantia depositada, nunca revelada, seus segredos guardados. Eu, pequeno a lhe admirar tão grande na fé a nos ensinar. Todos os dias a se perpetuar. Minha avó materna Luzia Tavares após ficar velhinha já não podia ir à igreja, mas sempre depositava no genro o valor do beijo da Santa, creditando confiança na tradição.        

Fora da Catedral, todos a cantar: Salve, Sant’Ana gloriosa, Nosso amparo e nossa luz/ Salve, Sant’Ana ditosa, Terno afeto de Jesus/, e todos a repetir num coro de vozes, e lá estava ele, cabelos brancos, com muitas outras mãos a segurar o andor coberto de flores e uma multidão coberta de fé, enchendo as ruas de minha cidade por onde ia passando. Ao longo das avenidas, a imagem gloriosa deslizava sobre as pessoas a suplicar não nos desampare, não nos abandone!    

Meu pai repetiu essa tradição por toda a sua vida e ao findar do dia da festa ele retornava ao seu lugar. Foi lá aonde aprendera com sua mãe Virgínia a praticar o ofício da oração. Minha vó Gina, por sua vez, herdou tamanha fé de sua avó Aninha do Umbuzeiro. Gina de Salviano (Salviano, meu avô) enchia sua casa de devotos para rezar o Terço. Eram pessoas vindas das redondezas, montadas em burros e cavalos, ou mesmo a pé, na esperança de encontrar na fé uma resposta para o conforto da alma e da vida difícil do sertanejo sofrido, sem os olhos dos poderes constituídos, a não ser do poder que poderia vir dos céus. 

Reza a lenda sertaneja que a fé de um vaqueiro atacado por um touro bravo em plena caatinga fez ele acreditar que se salvo fosse da fúria daquele animal, construiria uma capela em devoção à Senhora Sant’Ana, hoje a Catedral de Sant’Ana, Padroeira de Caicó, cuja festa data desde meados do século 18, hoje com 260 anos.

Mas a devoção a Sant’Ana espalhou-se e passeou a ser considerada a padroeira do povo seridoense, embora essa fé seja do sertanejo nordestino que adotou em sua fala o nome Sant’Ana para designar o mês de julho. Em território potiguar, como padroeira, a avô de Jesus é homenageada no Seridó em quatro municípios, Caicó, Currais Novos, Santana do Matos e Santana do Seridó; no Oeste, em Campo Grande e Luis Gomes, além das cidades de São José de Mipibu e Passagem, no Agreste, e em duas localidades de Natal, na Zona Norte, no conjunto Soledade II e na Zona Sul, no bairro de Capim Macio.

Um fato importante me contado pelo professor Galvão Celestino, que há cinqüenta anos era o vigário da Catedral, segundo o qual na época foi decidido mudar o final da festa dos caicoenses, que passou desde então a ter data móvel. Enquanto nas outras paróquias a festa se encerra em 26 de julho, dia da santa, em Caicó acontece no último final de semana do mês, possibilitando a cidade receber mais visitantes. Este ano, coincidentemente, a diferença será de apenas um dia, ou seja, o período será praticamente o mesmo dos outros municípios. Importante, ainda, é o fato do povo católico carregar consigo a fervorosa fé em Sant’Ana.

*Texto originalmente publicado no Diário de Natal em julho de 2008.

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