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sábado, 3 de janeiro de 2015

Os planos do ano novo e personagens do passado

Por Albimar Furtado*
Jornalista albimar@superig.com.br
 
Ano Novo e o mundo todo traçando planos, ressuscitando sonhos, fazendo promessas, relacionando objetivos e prioridades para o novo tempo que começa. Claro que também tracei planos, principalmente porque eles são cada vez mais necessários a quem chega aos 70, as forças e a agilidade já se distanciando, mas a vontade de viver, sem temer a morte (Caetano já dizia que não temos tempo de temer a morte) se apresentando mais forte. Mas além do futuro fui envolvido também por lembranças de trabalhos realizados (e outros que poderiam ter sido e não foram) dentro do que mais gostei de fazer como profissional: ser repórter. Pelo menos tentei sê-lo.
 
Tive a sorte de ser repórter da geral. Tempos em que o jornal tinha apenas 12 páginas e a editoria Geral englobava quase tudo. Fiz política, economia, cidade, saúde e um bocado de etc. Mas foram matérias, feitas ou deixadas de serem feitas- e que não mereceram o status de manchete, sequer de chamada de primeira página, que dominaram  minhas lembranças de agora. Personagens que por breves momentos entraram em minha vida e hoje são só lembranças. Tipo a cigana jovem e bonita, olhar perdido e triste, isolada no bando que acampava em área plana de Igapó, tempos em que a região era um conjunto de fazendolas. Tentei entrevista-la, em vão. Olhar fixo no horizonte, teimava em não responder. O cigano jovem que estava próximo, explicou: “Ela não gosta de falar. Ela não é cigana, é índia lá do Norte. O bando roubou a índia quando ela era menina”. Foi o ponto central da matéria e por dias seguidos aquela história me deixou  angustiado. Não era ficção, era notícia, real.
 
Passou, nesse filme breve, a cena da matéria, boa matéria, que a inexperiência do repórter iniciante deixou passar. Pautado, fui novamente à Zona Norte fazer a matéria do circo “tomara que não chova”, aqueles que nâo têm cobertura, apenas uma empanada em sua volta. Nessa noite choveu. E muito. Lembro bem do olhar triste do dono do circo, que também era palhaço, olhando o tempo e concluindo que não havia outra saída, senão cancelar o espetáculo. Nunca imaginara testemunhar a tristeza de um palhaço. Achei que por falta do show não valeria a matéria. Até hoje não sei porque não fui sumariamente dispensado do estágio que fazia na redação. Perdi uma formidável matéria.
 
Nestas histórias que não davam manchetes mas eram formidáveis histórias, lembro de Seu João, de 82 anos que se enamorou de Maria, a vizinha de 24 anos. Perguntei se suportaria o desafio e ele me contou que caminhava a pé, todos os dias, do bairro de Dix Sept Rosado, onde morava, para as Rocas. Queria me convencer que corresponderia, sim, às expectativas de Maria. Acompanhei parte do romance, incluindo o noivado, as articulações para que participasse do programa Discoteca do Chacrinha. No mundo todo poderia haver um homem tão feliz como Seu João. Mais que isso, nunca. No dia do casamento seguido do embarque para ser personagem do programa de maior audiência da televisão brasileira, eu estava viajando. Uma frustração de repórter. Melhor assim. Ana Maria Cocentino, colega de redação, deu um rendimento à reportagem muito maior do que eu poderia dar. Bela matéria.
 
Foram personagens, pra mim inesquecíveis, que enriqueceram minha vida de repórter. Neste Ano Novo lembro que um dia eles me fizeram enxergar faces distintas da vida. Onde quer  estejam sou e serei sempre grato.
 
*Texto publicado na coluna do jornalista no Novo Jornal
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