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sábado, 10 de março de 2012

A fé que se revela no silêncio e nos gestos

por Albimar Furtado*
Jornalista albimar@superig.com.br

A agenda cobrava uma reunião na sede da Assembléia Legislativa, às 10 horas. A caminho, passava em frente a Igreja do Galo e ali perto,  o estacionamento. O relógio indicava que  me apressara, tendo ainda um crédito de 40 minutos. Olhei a Igreja, pensei na Quaresma, tempo de recomeço, de  lembrar que antes do céu, há a cruz. Decidi entrar no templo e beber um pouco da fé dos simples que entram e saem, num revezamento que preenche o dia inteiro.

Sentei num dos últimos bancos e além de mim, tinham mais três pessoas. Lá na frente, no primeiro banco, o homem de camisa de botões manuseava um terço. No banco ao lado do meu, a mulher de vestes simples, mexia os lábios em oração e passava as mãos nos cabelos de corte rente a nuca. Dois bancos atrás outra mulher, também em vestimentas simples, surradas até, alternava momentos de louvores silenciosos e em voz alta. Imaginei ser uma pedinte, como costumeiramente aparece ali.

Instante seguinte, outra personagem se junta ao grupo. Agora, alguém mais produzido, uma mulher bem maquiada, cabelos arrumados em salão de beleza, roupa de corte elegante. Repete o que outros fizeram antes: ajoelha-se, faz o sinal da cruz, reza em silêncio. Estava na cara a diferença social. Mas ali, ninguém reparava em ninguém, exceção do repórter que chegara antes, já fizera suas orações e saciava a curiosidade natural de seu labor. Lá, não era lugar de futricas.

O silêncio dominava os quatro cantos do grande salão, impregnados de fé. Dois, dos que ali estavam deixam a igreja e quase no mesmo instante outro homem chega para se acomodar em um de seus bancos. Camisa básica, bermuda, em sinal de respeito descobre a cabeça, retirando o boné. Não parece concentrado, ora tem o olhar fixado no altar à sua frente, ora repara no barulho que vem da rua. Impaciente, não demora.

Na porta principal cruza com outro homem de fina estampa. Camisa social bem passada, calça jeans de boa lavagem, cabelo cuidadosamente penteado, cobrindo parcialmente a calvície. Genuflexo, faz o sinal da Cruz, senta no banco próximo, deixa as mãos postas repousando sobre o espaldar do banco da frente. Outros chegam.

A moça ainda jovem, loura, realçando o bolero branco na blusa vermelha, não descansa os joelhos dobrados e pousados no chão de pedra polida; a moça vestindo preto, tendo à mão o capacete denunciador de que pilotara uma moto. O vento canalizado pela rua Heitor Carrilho desembocando na rua Santo Antônio, em frente a Igreja, espanta o calor da manhã de sol forte.

Durante 40 minutos vi fiéis, contritos, em oração. Ví o homem que entrou decidido, beijou o altar coberto pelo roxo, cor da penitência e da Quaresma, e postou-se, de joelhos, entre a mesa e o altar-mor, ornado pelas imagens de Santo Antônio, de Jesus Crucificado e do Sacrário. Demorou-se ali.

Chegara a hora da reunião de minha agenda. Ao lado, a moça de preto sossegava o cotovelo no capacete e deixava o rosto repousar sobre a mão espalmada. Parecia em profunda meditação. Procurei ser leve, na saída, para não roubar dela a concentração em que se achava. Passei pela mulher que por vezes rezava alto e que imaginei ser pedinte. Não era. Já chegara à calçada quando percebi o julgamento apressado que fiz. Imaginei o quanto somos levados a julgar os outros, indevidamente, o quanto somos impregnados de preconceitos. Voltei para me penitenciar. Saí mais leve, bebi da fé. Não sei se serei capaz de retê-la. Tenho ainda uma quaresma quase inteira para pensar nas coisas da alma.

*Texto publicado na coluna do jornalista no Novo Jornal com post no blog do matutino 
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