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sábado, 28 de janeiro de 2012

Lição de vida na casa da morte

Jomar Morais

Não costumo visitar cemitérios. Nem mesmo no Dia de Finados. Minha relação com os mortos, apoiada na crença na manifestação contínua da vida sob a variedade das formas, sugere-me que o túmulo não é o lugar ideal para nos religarmos aos que partiram. Ainda assim, reconheço o poder do símbolo e em situações especiais acabo visitando tumbas, geralmente em viagem. Aí prefiro estar sozinho para meditar sobre a finitude de nossas vaidades.

Foi assim quando desci às grutas do Vaticano em 1982 – época em que ainda se podia percorrê-las até o nível mais baixo – às 8h da manhã, antes da chegada dos turistas e em silenciosa soledade. E também quando fui ao famoso cemitério do Père Lachaise, em Paris, onde estão sepultadas figuras como Balzac, Oscar Wilde, Proust, Chopin, Allan Kardec e Édith Piaf.

Estive ainda em cemitérios menos cotados e deles sempre retornei com um saldo de reflexões e epifanias que influenciam a minha vida. Mas nada se compara à experiência por que passei na última quinta-feira no cemitério São João Batista, em Uberaba, MG.

Diante do túmulo de Chico Xavier, sob chuva e num cenário desértico, eu lembrava da única vez em que estivera com o médium, em 1973, e de como um simples abraço seu, seguido de um “Deus o abençoe”, fizera-me entender a força milagrosa do amor, quando, de súbito, surgiu à minha frente um jovem de aparência estranha, um jeitão de bicho louco chapado que, olhando em minha direção, começou a sacar algo de uma velha mochila. Imaginei tratar-se uma arma e, por impulso, interrompi a minha oração, protegendo-me junto à parede do túmulo vizinho. A consciência, no entanto, advertiu-me: “Faz com ele o que o Chico fez contigo”.

Retornei a tempo de ver o rapaz guardando na mochila um simples maço de cigarro e de perceber naquele olhar excêntrico um traço de resignada tristeza. Iniciei uma breve conversação. “Sou espírita”, disse-me o moço. “Estou aqui para rogar ao Chico que me ajude a receber uma mensagem de minha mãe. Ela morreu e eu me sinto só”. Abençoei-o com carinho de pai e despedi-me.

Então, enquanto caminhava de volta pela alameda molhada, a ficha caiu e vi-me nu em minha prisão de egoísmo e medo. Como pude negar a um ser humano angustiado a cortesia gratuita de um olhar e de uma palavra gentil, apenas motivado por preconceitos e avareza?

A clareza do insight foi seguida de forte emoção. Como uma criança, chorei descontrolado, em princípio sob o peso da culpa, depois pela alegria da dádiva. Pela segunda em minha vida, Chico Xavier iluminara-me o espírito, não através de um fenômeno retumbante, mas por meio da força suave e demolidora de um pequeno gesto de compaixão.

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