A artista paraibana Alice Vinagre apresentará a sua
exposição individual “Anotações sobre pintura”, no Centro Cultural Banco do
Nordeste-Fortaleza (rua Floriano Peixoto, 941 – Centro – Térreo – fone: (85)
3464.3108). A abertura da mostra acontecerá no próximo dia 08 de novembro
(terça-feira), às 18 horas. Com entrada franca, a exposição ficará em cartaz
até 31 de dezembro deste ano (horários de visitação: terça-feira a sábado, de
10h às 20h; e aos domingos, de 12h às 18h).
(texto de Fernando Cocchiarale)
Esta é a quinta versão de Anotações sobre pintura,
de Alice Vinagre. As edições anteriores — expostas, respectivamente, na
Paraíba, no Recife, em Alagoas e novamente, em agosto passado, na capital
pernambucana —, ainda que fundadas nas mesmas questões pictóricas e orientadas
por uma mesma lógica de ocupação espacial, vêm permitindo à artista produzir
trabalhos não só inéditos, como também experimentalmente encadeados com seus
desdobramentos processuais precedentes.
Concebida para tornar o espaço expositivo do Centro
Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB), na cidade de Fortaleza, um ambiente
pictórico imersivo, ainda que formado por dezenas de pinturas sobre cartão
independentes, essa mostra radicaliza o transbordamento do trabalho de Alice do
quadro (simultaneamente autônomo e modular) para o espaço expositivo, já
evidente nas Anotações que a precederam, sobretudo a última, realizada no
Santander Cultural – Recife. Essas duas versões, mais do que as anteriores,
deslocam-nos da contemplação estética estrita para a experimentação
sensório-poético-pictórica. Se a primeira exige a clara demarcação de campos de
observação — por exemplo, o quadro —, a segunda suscita um lugar ambientado
para a experiência poética.
Diferenças à parte, todas as versões desta série
possuem características comuns: as centenas de trabalhos sobre cartão
produzidos pela artista a partir de 2008 possuem um mesmo e único formato (120
x 115 cm). Neles, o tratamento é monocromático, de predomínio ora azul, ora
vermelho. Característica que favorece não só sua montagem modular, como também,
por meio dela, a criação de ambientes pictóricos sempre renovados, graças à
necessária reedição sequencial das pinturas em função do espaço expositivo.
A tensão entre obra única (cada cartão) e sua
montagem modular (permitida pelas mesmas dimensões de seus formatos e pela
monocromia) é, portanto, parte fundamental do cerne poético dessas Anotações.
Ela introduz na montagem uma tensão maior, de teor histórico: à época da
revolução industrial, processos de produção artesanais e métodos de construção
mecanizados eram tidos como incompatíveis.
Há que se considerar, no entanto, que todo o
processo de produção de Alice é manual, da pintura dos cartões à sua disposição
no espaço, e que essa tensão só aparece no trabalho por meio de uma operação
poética: seus cartões distinguem-se uns dos outros graças aos impulsos
específicos que os singularizam e qualificam como obras, e a modulação concede
às partes que a formam uma função modular restrita apenas à sua formatação e à
monocromia.
Feitas pela mão e por algumas outras decisões
correlatas da artista – como a atribuição de dimensões iguais para todos os
cartões, o predomínio evidente de uma cor e a montagem/edição das pinturas
sobre cartão no próprio espaço expositivo –, as Anotações resultam em trabalhos
ambientais únicos, que, no entanto, preservam a potência própria e autônoma das
pinturas que os constroem. Cada versão é, se tomada em seu conjunto, uma
pintura significativamente provisória formada por dezenas de quadros singulares
e perenes. Nesse sentido, uma possível associação com a azulejaria ou com o
papel de parede deve ser descartada. Nestes, a repetição regular da padronagem
é quase uma exigência; aqui, ao contrário, a busca é inversa: formar um
conjunto a partir da diversidade.
Há nestas montagens um transbordamento que nos
remete a um dos momentos conclusivos da história recente da pintura – história
que, em um sentido estritamente operacional, começa na protorrenascença e se
expande, conseguindo contornar as recorrentes declarações de sua morte,
iniciadas no século XIX e que perduram até nossos dias.
Se, ao afirmar o teor bidimensional objetivo da
tela, a pintura moderna colocou em crise a construção perspectivada e
pictórico-ilusionista (pintura a óleo), seus desdobramentos (a partir dos
primórdios da produção contemporânea, na passagem da década de 1950 para a de
1960) passaram pela crítica ao quadro, explícita nos trabalhos de alguns
artistas.
Os quadrados negros sobre fundo branco suprematistas
(c. 1913) de Kasimir Malevitch já anunciavam o fim da representação e o começo
da era da pura sensibilidade na arte. Seu teor monocromático significava, para
o artista, a sensibilidade da ausência do objeto (representado), que favoreceu
a emergência de uma nova consciência a respeito do sentido da pintura: em lugar
do ilusionismo, o teor objetual do quadro.
Décadas mais
tarde, nos anos 1950, as telas cortadas de Lucio Fontana, as Combine paintings
de Robert Rauschenberg (produzidas com tinta e objetos apropriados pelo
artista) e as pinturas azuis e o Vide (mostrado em 1958 na Galeria Iris Clert,
em Paris, vazia e pintada de branco) de Yves Klein, entre outros, marcam o
avanço da crítica ao quadro como suporte único da pintura.
Nessa mesma
época, surge no Brasil a proposta de uma pintura depois do quadro, elaborada
por Hélio Oiticica em seus escritos e obras. Para levá-la adiante, ele precisou
buscar alternativas para esse suporte convencional de modo a permitir a
expansão do campo pictórico para o espaço real. Essa operação poética, no
entanto, precisa assumir uma definição clara do que é a pintura, já que sua
existência deve ser preservada com o abandono do quadro. Caso contrário, a
proposta em questão não se sustentaria. Oiticica não titubeia na resposta:
A experiência da cor, elemento exclusivo da pintura,
tornou-se para mim o eixo mesmo do que faço, a maneira pe¬la qual inicio uma
obra. [...] A cor é uma das dimensões da obra. É inseparável do fenômeno
to¬tal, da estrutura, do espaço e do tempo, mas como esses três é um elemento
distinto, dialético, uma das dimensões. Por¬tanto possui um desenvolvimento
próprio, elementar, pois é o núcleo mesmo da pintura, sua razão de ser. Quando,
porém, a cor não está mais submetida ao retângulo, nem a qualquer representação
sobre este retângulo, ela tende a se “corporificar”; torna-se temporal, cria
sua própria estrutu¬ra, que a obra passa então a ser o “corpo da cor”.[1]
Se a cor é
mesmo um elemento exclusivo da pintura (e isso importa menos do que o triunfo
dessa ideia na obra do próprio Hélio), então é lógico supor sua existência em
outros campos espaciais que não o do quadro, argumento que assegura a proposta
de uma pintura expandida para além do quadro praticada por Oiticica, abrindo um
novo campo de possibilidades para o artista brasileiro.
Ao investigar novas possibilidades de uma pintura
expandida, Alice Vinagre movimenta-se, ainda que não deliberadamente, nesse
campo aberto ainda no modernismo, mas que só se consolidou na
contemporaneidade. Isso não quer dizer que sua pintura seja herdeira do
construtivismo brasileiro – seus cartões transbordam a formalização estrita
graças à evocação icônica que esses trabalhos não cessam de promover. A
aproximação dessas Anotações com a herança histórica citada se torna, entretanto,
inevitável quando se trata da criação de ambientes pictóricos.
Na versão atual de Anotações sobre pintura, os
cartões escolhidos por Alice para impregnar cromaticamente o espaço podem ser
visualmente separados em dois conjuntos: um predominantemente vermelho, pintado
em 2008 e retrabalhado agora para a mostra de Fortaleza; outro formado por
cartões azuis, produzidos em 2011 (teias e redes que fizeram parte da edição
das Anotações no Santander, tecidas a pincel com uma paciência feminina que
evoca Penélope).
A montagem no espaço expositivo do CCBNB assume a
distinção cromática entre esses dois conjuntos de cartões, dispondo-os
separadamente para criar um espaço único: um cubo central recoberto
inteiramente com cartões azuis é o foco cromático principal da instalação, já
que uma, duas ou três de suas cinco faces (a face voltada para o piso não pode
ser vista) são passíveis de serem vistas, dependendo da localização do
observador. Complementando o ambiente pictórico, uma das paredes da sala que
contém o cubo de tramas azuis sustenta a virtual projeção de uma de suas faces,
sugerida pela modulação de cartões vermelhos.
Essas faces
permitem a expansão da trama em rede de cada pintura para o conjunto em que se
integram. São configurações gráficas de redes que podem ser referidas aos
atravessamentos descontínuos das tramas de um cartão para as tramas dos outros.
Podem ser também tomadas como atravessamentos de categorias e práticas
estanques — desenho, pintura e escultura — voltadas para a preservação dos ofícios
num mundo em rede, no qual, inversamente, eles estão ameaçados.
ENTREVISTAS E INFORMAÇÕES ADICIONAIS:
• Alice
Vinagre – (81) 9323.5858 – alicevinagre@uol.com.br
•
Fernando Cocchiarale (autor do texto sobre a exposição) – (21) 8221.1551
– fcocchiarale@gmail.com
•
Jaqueline Medeiros (coordenadora de Artes Visuais do CCBNB) – (85)
3464.3184 / 8851.5548 – jacquerlm@bnb.gov.br
•
Luciano Sá (assessor de imprensa do Centro Cultural Banco do Nordeste) –
(85) 3464.3196 / 8736.9232 – lucianoms@bnb.gov.br
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