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domingo, 14 de agosto de 2011

Uma bicicleta no meio do caminho...

Por João Bosco de Araújo*
Jornalista

foto arquivo família
À primeira vista, o leitor estará a pensar que se trata de uma disputa entre dois veículos. Mas o inusitado é que  realmente o fato aconteceu e seria cômico se não fosse trágico, nem poético. Foi em uma estrada de barro, nos idos dos anos sessenta e o automóvel era uma camioneta Chevrolet, modelo e ano 1951, O veículo estava sendo dirigido por seu proprietário, Pedro Salviano de Araújo, figura muito conhecida na região, dos mais autênticos tipos sertanejos. Embora nunca houvesse passado por um banco escolar, ele sabia, como poucos, as lições da vida e como enveredá-las. No entanto, essa da bicicleta e do automóvel não foi fácil para um velho marinheiro de primeira viagem, digamos assim.

A camioneta ainda estava muito nova, apesar dos seus mais de dez anos de estrada. Se bem que carro naquela época durava uma vida inteira, como diziam, por se tratar de fabricação estrangeira. O carro, ele adquiriu depois de muitas economias e foi buscá-lo na Paraíba, negócio empreendido por um vizinho seu, o fazendeiro Luiz Gonzaga da  Nóbrega, que por sua vez articulou a negociação junto ao primo deste e dono da 51, o Juiz de Direito, Dr. João Medeiros da Nóbrega, da Comarca de Campina Grande. Quem a trouxe foi Manoel Avelino, mais conhecido como “Manoel Boquinha”, que foi motorista de Dinarte Mariz. As primeiras lições de como guiar um automóvel foram dadas pelo veterano Poti, de uma família de mecânicos e motoristas da cidade, que também trabalhou com os americanos em Natal, no período da Guerra.

E lá vai Pedro Salviano a dirigir sua camioneta pelas estradas da vida. Não demorou muito e foi convidado à transportar uma dupla de cavalos de raça para uma festa de boi, na fazenda de seu amigo José Uchoa, em Belém de Brejo do Cruz, na vizinha Paraíba. Como não quis ficar na vaquejada, de volta a Caicó encheu a camioneta com madeira de lenha até o “gigante” e despediu-se dos amigos.

Na viagem, aconteceu o que o mecânico e motorista “Chico Mundiça” gostava de comentar entre amigos e companheiros de oficina. Segundo contava, Seu Pedro dirigia tranqüilamente sua camioneta quando, de repente, viu passar pelo lado esquerdo um homem pedalando uma bicicleta. Qual não foi sua surpresa, em fração de segundos aquele homem montado naquele veículo de apenas duas rodas ultrapassava seu carro e desaparecia na estrada sem deixar rastro, só poeira.

“Que sujeitinho mais atrevido”, teria reclamado Seu Pedro, aumentado a velocidade do carro e gesticulando esbravejava: “Eu não posso dar cabimento a um pestinha desses”, ao mesmo tempo em que mudava de marcha e empurrava o pé no acelerador, narrava Chico Mundiça.   

Foi como um furacão. A camioneta desceu o aterro da rodovia, indo esbarrar lá embaixo, num barranco, depois de capotar por várias vezes e ficar de pneus para cima. Baixada a poeira, e o susto, Seu Pedro teria indagado: “Cadê o home e a tal da bicicleta? Vige Maria!”, concluía assustado, segundo dizia Chico Mundiça.  

Foi tudo muito rápido. Como num truque de mágica, aquele homem sumia com a sua bicicleta na velocidade de uma bala, e Pedro Salviano nunca mais o via. Tampouco, jamais perdoara uma pessoa pedalando uma bicicleta, atravessando o seu caminho, enquanto ele dirigia seu automóvel. Nem Chico Mundiça jamais esqueceu de contar a história da camioneta do fazendeiro e o homem da bicicleta.

Esse fato realmente aconteceu, embora de circunstâncias diferentes, porque o próprio protagonista afirmava que o homem da bicicleta passara por ele em sentido contrário, ou seja, vindo ao encontro dele em ziguezague, cuja confusão resultou no acidente, e não como Chico Mundiça gostava de comentar, evidentemente por causa de sua verve humorística, que por sinal sempre foi muito aguçada. Quem o conheceu sabe muito bem disso. Os dois são duas figuras de saudosas memórias. Chico recebeu esse apelido ainda jovem, quando foi motorista do fazendeiro Zé Antônio, do Umbuzeiro, e Pedro Salviano foi o meu pai, que tudo isso guardo com muita alegria.

*Com publicações anteriores e no Diário de Natal (DN Seridó), em 27/09/2008

Pai: Nesta data especial, ao nosso saudoso Pedro Salviano de Araújo que tanto o amamos e o admiremos nesta passagem terrena, e a escolha do texto pela velha camioneta que foi um marco em seu Umbuzeiro, comunidade rural em Caicó, no RN.

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