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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Colecionando amigos e espargindo amor em São Paulo

Por Flávio Rezende*

     Estou em São Paulo fazendo uma das coisas que mais gosto, observando o mundo das pessoas e suas relações com a pólis, com a natureza, com nós mesmos e consigo próprias.
     Minhas reflexões neste mundo de seres diversos teve início nos deslocamentos variados que tive para poder chegar nas palestras do 1º Congresso Mundial de Comunicação Ibero-Americana, motivo maior de minha vinda para cá. O mundo das grandes cidades proporciona aos seres de menor poder aquisitivo uma significativa perda de tempo em seus trajetos, além de sofrimentos vários.
     Para poder estar às 9h no evento, tive que sair do lugar onde fiquei hospedado por volta das 6h, significa que tive que acordar mais cedo ainda. Levando em conta que muitos trabalhadores precisam estar no trabalho entre 7 e 8 h, fico imaginando o tantinho de horas que normalmente podem dormir para que continuem empregados.
     Ao sair do apto fui até a parada de ônibus mais próxima, tendo de andar um trecho a pé. Nenhum ônibus para a estação Santa Cruz do metrô passava vazio naquela hora e, o que consegui entrar fazia dos seres ali presentes um verdadeiro liquidificar humano com perfumes fortíssimos, sonolentos passageiros, crianças hiperativas mas, todos absolutamente tranquilos e ninguém reclamava de nada.
     Ao chegar no metrô outro sufoco, para chegar, para entrar, para conseguir um trem, gente, gente, gente que não se acaba mais, mas, todo mundo indo, de cabeça erguida, nenhuma voz de saudável rebeldia.
     As mudanças de linhas coloridas foram acontecendo, estações sucedendo, tudo cheio, lotado, cuidado para não pisar no pé pois cair, impossível, todo mundo espremido sempre, sobe, desce, escada rolante, túneis, trem abaixo, trem acima e, finalmente ainda inteiro chego a última estação perto da USP. Agora precisava pegar um ônibus.
     Foi neste momento que surgiu a primeira reflexão. Cruzei a cidade em vários transportes, o tempo todo com gente humilde, trabalhadores diversos, todo mundo sofrendo aquilo cotidianamente, dia após dia, sem dar um pio, ai no ônibus cheio de estudantes universitários de classe média, sento ao lado de um todo bem vestido e faço perguntas sobre a minha descida na Escola de Comunicação e Artes da USP.
     O jovem gentilmente me informou tudo e, neste momento o motorista do ônibus entrou para começar sua labuta. Ao tentar ligar o coletivo percebeu que o mesmo estava dando o que chamamos em Natal de "sova". Tentou, tentou e só alguns segundos depois conseguiu. Imediatamente ouvi a primeira reclamação daquele dia, 2 horas e meia depois de viver um verdadeiro inferno junto ao povo pobre.
     Visivelmente irritado o jovem disse: - "Isso só acontece mesmo no Brasil, nem os ônibus estão mais revisando. Se eu pudesse ia hoje mesmo para Paris". Educadamente ouvi o comentário, joguei meu olhar para fora do ônibus e fiquei pensando como o "rico" gosta de reclamar. Conheço o povo carente e convivo muito com essa gente e, igualmente, conheço o povo rico.
     Confesso que é entre os ricos que ouço mais reclamações, de tudo, da roupa mal lavada, dos serviços governamentais, do plano de saúde, da assinatura de tv a cabo, dos novos perfumes muito adocicados, do preços subindo nos supermercados, do combustível majorado ai, fico pensando, se os ricos reclamam tendo tudo na mão, avalie se tirassem um dia para viver o cotidiano de um pobre, sairia dos ônibus, metrôs, mercadinhos, hospitais públicos com uma bomba na mão explodindo tudo.
     Não pensem que estou aqui atacando e nem defendendo nem a passividade de uns e nem as reclamações constantes de outros, estou apenas relatando uma percepção pois convivo com os dois lados intensamente.
     E, depois de três dias imerso nestes deslocamentos altamente estressantes e vividos ao menos ao nível visual de maneira bem tranquila pelos seres mais necessitados, mergulho agora no universo cultural de São Paulo, colhendo amigos nos taxis, no hotel, nas lanchonetes, nas praças e ainda nos ônibus e metrôs, sendo esta a parte que mais gosto quando viajo, a coleção de amigos que vou juntando de maneiras diversas e, tendo sempre como isca, o infalível bom humor.
     Mesmo sozinho por aqui, ao sair do hotel, tiro da mala com muito carinho o sorriso gostoso e sincero, a boa vontade, a disposição de andar por todo canto, sem preconceito, respeitando as diferenças e, ponho no bolso além de um pouco de dinheiro e um documento qualquer, o amor que carrego sempre, pois, ele contém os mais belos valores humanos que aprendi a cultivar nestes cinquenta anos de passagem por este lindo planeta que ora habito.
     E, confesso, em algum lugar da pólis, preferencialmente bem no meio da multidão, na Praça da Sé, digamos, ponho discretamente a mão no bolso, pego um pouco deste amor que não para de crescer e, no abrir dos dedos, deixo esse amor voar, se espalhar, vibrando feito torcedor fanático, para que alguém o reconheça por ai e, percebendo sua essência, também sorria e compreenda que em qualquer canto e em qualquer lugar, ricos ou pobres, de ônibus ou de limousine, de mêtro ou de avião, por sermos imagem e semelhança do criador, somos simplesmente UM com ele e, nesta celebrativa unidade, vivamos a vida como ela é.

* É escritor, jornalista e ativista social em Natal/RN (escritorflaviorezende@gmail.com)

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